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Há senhorios portugueses que não sobem rendas há anos: "Sinto-me a fazer o correto"

Um senhorio espanhol que se recusou a aumentar a renda aos inquilinos viu a sua história ultrapassar fronteiras. No entanto, deste lado da fronteira, também há histórias semelhantes. Senhorios portugueses que não aumentam as rendas há vários anos e que, dizem à SIC Notícias, sentem estar a "fazer o correto".

Armando Franca

Ana Luísa Monteiro

Numa altura em que os preços do arrendamento têm subido e a oferta caído, há senhorios que resistem à tendência e mantêm o valor das rendas inalterados. É o caso de Sérgio Rodrigues, investidor e especialista em finanças pessoais, de 35 anos, que reside no Porto e tem dois imóveis a arrendar em grandes centros urbanos: um T2 num condomínio na Amadora (distrito de Lisboa) e um T0 em Vila Nova de Gaia (distrito do Porto).

Foi em fevereiro de 2020 que iniciou o contrato de arrendamento, por 750 euros/mês, com a inquilina que habita o apartamento na Amadora. Mas a pandemia chegou, a arrendatária ficou desempregada e estava a pensar abandonar a casa. Sérgio propôs baixar a renda para 500 euros até ao fim de 2020, altura em que fariam uma reavaliação da situação.

"No final do ano, a inquilina já tinha um novo trabalho mas com rendimentos mais baixos, pelo que mantivemos os 500 euros. E ficou nesse valor até dezembro de 2022", contou à SIC Notícias.

Só em janeiro deste ano é que propôs à arrendatária um aumento de 2%, conforme o decreto-lei aprovado, subindo a renda para os 510 euros - ainda assim, abaixo do valor de mercado. Na freguesia onde se insere o T2 de Sérgio, os preços das rendas subiram mais de 20% no último ano, segundo o site do Idealista.

"Imóveis semelhantes na zona ultrapassam os 1.000 euros de renda", apontou Sérgio Rodrigues.

O T0 em Vila Nova de Gaia foi arrendado em agosto de 2020, por 250 euros e a renda é a mesma até hoje. Segundo Sérgio, habitações idênticas na zona podem rondar os 500/600 euros. Também a arrendatária desse imóvel foi afetada por um layoff na altura da pandemia e algumas rendas foram pagas com atraso.

"Em momento algum cobrei algum tipo de penalização [pelo atraso no pagamento] . Em resumo, mantenho uma ótima relação com ambos [os inquilinos] e de total transparência de parte a parte. Sinto que só assim faz sentido. Também sou inquilino e adoraria dizer que mantenho esse tipo de relação com o meu senhorio", disse.

Mas por que razão Sérgio não aumenta as rendas?

"Porque, sim, é um investimento feito mas é o lar destas pessoas e isso impede-me, eticamente e humanamente, de ver apenas números", respondeu, acrescentando que prefere ter imóveis arrendados a "preços confortáveis" que "permitam trazer estabilidade e previsibilidade financeira a ambas as partes".

Além disso, segundo o investidor, caso optasse por rescindir os atuais contratos e arrendar a preços de mercado, "aumentaria em muito a hipótese de ter problemas" devido à "rotatividade maior" de arrendatários que poderia passar a ter.

"Neste momento, com a subida abrupta das taxas Euribor, o retorno mensal é praticamente zero ou até ligeiramente negativo. No entanto, sinto que estou a fazer o correto para estas pessoas e continuo a ter um ativo que tendencialmente irá valorizar caso algum dia o pretenda vender ou até ocupar como habitação própria.

O caso de Madalena: "Prefiro ter uma pessoa que é certa"

A história de Sérgio não é caso único em Portugal. De Viseu, chega o relato de Madalena Ramos, de 53 anos, que tem um T1 a arrendar em São João do Estoril, em Cascais. O contrato de arrendamento foi feito há dois anos e, entretanto, decidiu manter o valor porque o que recebe lhe chega e prefere "ter uma pessoa certa" que trate bem da casa e que mantenha uma boa relação com os vizinhos.

Segundo Madalena, apartamentos semelhantes na zona estão a ser arrendados por 900 euros/mês. À SIC Notícias, disse, embora sem especificar, que cobra um preço "um pouco acima de metade" desse valor.

Outro testemunho ouvido pela SIC Notícias foi o de um senhorio, de 38 anos, dono de um apartamento T3+1 na Alameda, em Lisboa, arrendado há oito anos a 900 euros por mês. O proprietário, que não quis ser identificado, diz que mantém o valor porque o considera "justo à realidade do país e dos ordenados".

"Os meus inquilinos não passam dificuldades, mas não é por isso que quero aproveitar-me", sublinhou.


Portugal atravessa uma crise de habitação?


"Claro que atravessa. Sobretudo no arrendamento", respondeu Madalena Ramos. "Os valores das rendas são exorbitantes. (…) Os senhorios não querem arrendar a preços mais acessíveis os seus bens para ou não receberem as rendas, mas sobretudo pelo estado que os arrendatários deixam os imóveis", referiu.

Sérgio Rodrigues também considera que Portugal vive uma crise habitacional e acredita até que pode haver um "fator cultural" a contribuir para este fenómeno.

"Vários fatores contribuíram para esta situação mas penso que o fator cultural desempenha um papel importante dado que os portugueses não estão, genericamente falando, disponíveis para investir no mercado de arrendamento e assim aumentar a oferta para que os preços possam também baixar. Isso significa que os poucos que o querem fazer acabam por conseguir ganhar 'o dinheiro que querem', visto que os potenciais inquilinos não têm escolha", destaca.

Qual poderá ser então o caminho para inverter esta tendência? Uma maior aposta no mercado de arrendamento, por exemplo, através de apoios aos investidores/proprietários que praticam rendas mais baixas, ou a aposta em programas de habitação pública. Do ponto de vista de Sérgio, estas podiam ser ferramentas para a solução.

"Existem, pelo país fora, milhares de imóveis devolutos sobre os quais deviam ser incentivados os investimentos, sejam públicos ou privados", concluiu o investidor.

Na semana passada, o primeiro-ministro, António Costa, anunciou a realização de um Conselho de Ministros exclusivamente dedicado à política de habitação no próximo dia 16 de fevereiro para aprovar três ordens de medidas.

Em primeiro lugar, para "disponibilizar mais solos para a construção de habitação" e, em segundo, para criar "um forte incentivo à construção de habitação por parte de privados", afirmou o líder do executivo em entrevista à RTP.

A criação de incentivos para quem é proprietário de habitação colocar as casas no mercado de arrendamento e apoios para os jovens acederem com mais facilidade ao aluguer das casas, mas sem concretizar, para já, uma medida.

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