O primeiro-ministro, António Costa, anunciou esta quinta-feira que vai propor ao Presidente da República um circuito para "garantir maior transparência e confiança de todos no momento da nomeação" de membros do Governo, considerando que este sistema pode ser melhorado.
"Irei propor ao senhor Presidente da República que consigamos estabelecer um circuito entre a minha proposta e a nomeação dos membros do Governo que permita evitar desconhecer factos que não estamos em condições de conhecer e garantir maior transparência e confiança de todos no momento da nomeação", anunciou António Costa durante o debate da moção de censura ao Governo, em resposta à deputada única do PAN, Inês Sousa Real.
O primeiro-ministro deixou claro que falará primeiro com Marcelo Rebelo de Sousa e que depois anunciará o que vai propor "para que o circuito possa ser melhorado porque pode ser melhorado".
"Eu não acho que possamos e devamos normalizar situações anómalas mesmo que sejam casos e casinhos. Têm que ser levados a sério e sobretudo tem que se dar confiança de que os levamos a sério", assegurou.
A deputada única do PAN considerou que depois das últimas legislativas "ninguém desejaria uma instabilidade política sob a égide de uma maioria absoluta".
"Já aqui ouvimos alguns esclarecimentos e folgo que o senhor primeiro-ministro tenha quebrado o silêncio que marcou os últimos dias porque o pior serviço que poderia fazer em democracia era estar de facto calado sobre os casos e casinhos que têm vindo suceder-se. Há uma outra questão que mina a democracia: é a normalização destes casos e a ausência de respostas", criticou.
Seguiu-se o deputado único do Livre Rui Tavares, que avisou que as pessoas estão a observar António Costa "e o que querem saber não é se o primeiro-ministro tem retórica necessária para responder aos deputados da oposição, querem saber se tem a humildade de reconhecer que quando as coisas não estão bem precisam de ter procedimentos novos".
"Acabou de nos dizer que quer ter procedimentos novos. Não deixe de fora a Assembleia da República desses procedimentos", apelou.
Anteriormente, a deputada do PCP Alma Rivera acusou o Governo de tomar decisões que "não servem o povo português", considerando que quando o primeiro-ministro "faz um discurso alheado da realidade que se vive no nosso país já está a agravar os problemas".
A deputada comunista criticou a ausência de aumentos reais de salários e pensões, o facto de não serem tomadas medidas urgentes para salvar o SNS ou valorizar a escola pública.
"Nas opções concretas o que nós vemos é uma total coincidência com as opções da IL e afinal concluímos é que é muito mais aquilo que vos une do que aquilo que vos separa", atirou Alma Rivera.
Sistema de escrutínio deve ser antes de Governo propor governantes
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu esta quinta-feira que um eventual sistema de escrutínio de possíveis nomeados para cargos governativos deve ser feito antes de o Governo propor os governantes, e não depois.
"A haver uma intervenção, e veremos de quem, como, para apurar problemas de legalidade, problemas de constitucionalidade ou problemas de impedimentos relativamente a quem vai ser nomeado para determinados cargos, como estes de que se falou, eu acho que deve ser antes de o Governo apresentar a proposta [ao Presidente da República]", declarou o chefe de Estado aos jornalistas, no Teatro São Luiz, em Lisboa.
Marcelo Rebelo de Sousa assumiu esta posição depois de questionado sobre o anúncio do primeiro-ministro, António Costa, de que iria propor ao Presidente da República "um circuito entre a proposta e a nomeação dos membros do Governo" que assegure "maior transparência e confiança de todos" e permita "evitar desconhecer factos".
O chefe de Estado, que se colocou de fora desta solução, contrapôs que o escrutínio "tem de ser antes de o Governo propor, não é depois de propor".
"Porque imagine-se que, depois de se propor, acontece que num, dois, três, quatro casos se verifica que as propostas têm fragilidades -- era preferível não haver propostas ao Presidente da República e, portanto, prevenir-se", argumentou.
Questionado se o Presidente da República ficaria em cheque com um escrutínio entre a proposta do Governo e a nomeação, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu que "não é o problema de ficar em cheque, é o problema de preparar esse tipo de propostas".
Marcelo Rebelo de Sousa começou por afirmar que não se iria pronunciar sobre esta matéria: "Eu não me vou pronunciar. É uma matéria em que a palavra decisiva cabe, se for uma lei, à Assembleia da República. Se não for lei, veremos qual é a forma, como é que isso faz, em que momento é que se faz".
"Eu acho que, a haver um momento, devia ser antes, para ser adotado um processo. Temos de ver o que é que há lá fora nesse particular. Isso devia ser feito antes de o Governo apresentar uma proposta ao Presidente", acrescentou.
Montenegro considera a proposta absurda
Luís Montenegro, líder do maior partido da oposição, considera absurda a proposta de escrutínio anunciada esta quinta-feira pelo primeiro-ministro. O presidente do PSD acusa António Costa de querer fugir às responsabilidades.
“Sinceramente o sistema que ele propõe é um absurdo em si mesmo. Corresponde a uma circunstância que eu não aceito, que é o líder de um Governo não responder, ele próprio, na plenitude, pelas escolhas que faz”,
Montenegro sublinha que “isto revela bem o estado exaurido em que se encontra António Costa no exercício das funções de primeiro-ministro”.
IL manifesta-se contra medida que põe "nas costas" do Presidente corresponsabilidade
O líder da IL considerou esta quinta-feira não fazer sentido colocar "nas costas do Presidente da República uma corresponsabilidade" na verificação dos currículos das pessoas a nomear para o Governo, defendendo que essa é uma função do primeiro-ministro.
"Há de facto falta de escrutínio das pessoas que são nomeadas para cargos públicos, agora a solução não é partilhar responsabilidades do chefe do Governo com o Presidente da República", defendeu João Cotrim Figueiredo em declarações aos jornalistas no final do debate da moção de censura proposta pela IL, que foi chumbada esta quinta-feira.
Para o presidente liberal, o primeiro-ministro não se pode escusar desta responsabilidade, defendendo que se "houver um envolvimento adicional no processo de escrutínio que seja da Assembleia da República e não do Presidente da República".
"Querer pôr nas costas do Presidente da República uma corresponsabilidade na verificação do currículo de pessoas que vão servir um Governo não faz sentido", disse a propósito do anúncio hoje feito por António Costa de que vai propor a Marcelo Rebelo de Sousa um circuito para "transparência e confiança" na nomeação de governantes.
Chega favorável a sistema de escrutínio de governantes
O presidente do Chega considerou esta quinta-feira uma "proposta muito interessante" a constituição de um sistema de escrutínio de quem é nomeado para cargos governativos que passe por audições, mas indicou que os termos têm de ser definidos "muito claramente".
"É uma proposta muito interessante. Há até vários países da Europa que têm um modelo de audição prévia à tomada de posse dos ministros", afirmou André Ventura.
Em declarações aos jornalistas na Assembleia da República, o líder do Chega apontou que seria "um bom modelo", mas defendeu que "uma alteração ao modelo de nomeação e audição terá que passar sempre por uma revisão constitucional".
"Não me parece que possa ser feito só através da legislação ordinária. Como está aberto o processo de revisão constitucional, eventualmente é uma oportunidade que temos para haver um consenso [...] para que ministros e secretários de Estado, antes de serem empossados, se pudesse fazer um escrutínio que envolvesse a imprensa, a oposição sobre o passado, sobre casos mais recentes, sobre eventuais polémicas, como se faz para os juízes do Tribunal Constitucional ou um modelo mais alargado, como acontece nos Estados Unidos e se não me engano em Inglaterra", defendeu.
André Ventura considerou, no entanto, que será necessário "definir muito claramente os 'timings' e a forma como estas audições decorrem, para não ser apenas uma espécie de circo mediático à volta de quem é nomeado".