Os adolescentes portugueses estão mais infelizes e são agora mais os que se sentem irritados, nervosos ou tristes diariamente, segundo o Estudo Health Behaviour in School-aged Children (HBSC/OMS), feito em colaboração com a Organização Mundial de Saúde, o que leva os especialistas a pedirem mais respostas em saúde mental.
O gosto pela escola também diminuiu, em relação aos dados de 2018, nos alunos do 6.º, 8.º e 10.º anos, que continuam a achar a matéria demasiada aborrecida e difícil.
Tânia Gaspar, coordenadora do estudo, sublinha a necessidade de a escola "se atualizar e conseguir acompanhar os jovens no seu modo de contacto com o conhecimento".
"É fundamental haver uma melhor articulação entre a escola e os serviços de saúde para, de um modo geral, para todos, trabalhar ao nível da prevenção, e naqueles jovens que efetivamente precisam de apoio mais especifico, dar uma resposta rápida", considera.
O estudo, cujos resultados vão ser esta quarta-feira apresentados em Lisboa, contou com a participação de 51 países. A nível nacional, o HBSC/OMS 2022 foi realizado pela equipa Aventura Social, do ISAMB/Universidade de Lisboa, em parceria com a Direção-Geral da Saúde (DGS) e a Direção-Geral das Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC).
Baixou a satisfação com a vida e a perceção de felicidade
Os resultados, a que a Lusa teve acesso e que vão ser esta quarta-feira apresentados, indicam que, em comparação com o último ano estudado em Portugal (2018), baixou a satisfação com a vida (passou de um valor médio de 7,68 para 7,50) nos jovens de 11, 13 e 15 anos, assim como a perceção de felicidade. Mais de um em cada quatro (27,2%) adolescentes em idade escolar disseram sentir-se infelizes (18,3% em 2018).
"Nestas idades, o impacto que tem no desenvolvimento ainda é maior. É como se eles estivessem sempre a crescer e, se se estão a desenvolver com estas dificuldades, isto vai ter um efeito ´bola de neve´ e vai acabar por afetar as suas oportunidades. O quanto antes é importante dar uma resposta", explicou Tânia Gaspar, em declarações à agência Lusa.
Segundo os dados recolhidos, os sintomas físicos e psicológicos também aumentaram: 12,2% dos estudantes disseram ter dores nas costas quase todos os dias (8,6% e 2018) e 8% têm dores de cabeça quase diariamente.
Quanto aos sintomas psicológicos, 21% (13,6% em 2018) disseram sentir nervosismo quase todos os dias, 15,8% mau humor ou irritação quase todos os dias, 11,6% tristeza quase diariamente e 9,1% medo.
Os comportamentos autolesivos também aumentaram, passando de 19,6% para 24,6%. Dos jovens que referem já se terem magoado de propósito (autolesão), o braço continua a ser o local do corpo onde mais de magoam.
"Nunca notamos tanta diferença em vários indicadores"
Em declarações à Lusa, Tânia Gaspar disse que o estudo deste ano foi aquele em que maiores diferenças se notaram: "Nunca notamos tanta diferença em vários indicadores", disse, explicando que os resultados deste ano acabam por ser influenciados pela pandemia, pela guerra na Ucrânia e pela recessão económica.
A especialista destacou o "agravamento global ao nível da saúde e do bem estar", sublinhando que "aumentou o número de jovens que, além de doença crónica, têm doença relacionada com o foro psicológico".
"Existe sempre um grupo de jovens, embora seja uma minoria, em que o impacto foi maior. (..) Poderá ter que ver com uma situação prévia, podiam já ter alguma fragilidade (...). E esses jovens precisarão de um apoio mais específico, nomeadamente através da psicologia, não só no contexto escolar, mas depois no contexto de saúde", alertou, defendendo a necessidade de "uma forma ágil" de encaminhar estes jovens.
Aliás, quando questionados sobre qual a questão em que a pandemia de covid-19 teve mais impacto, os adolescentes responderam que foi a saúde mental.
Contaram ainda que, no último mês, tomaram pelo menos uma vez medicação para a tristeza (10%), para o défice de atenção/hiperatividade (7,4%) e para o nervosismo (16%). Mais de metade (53,9%) disse ter tomado pelo menos uma vez no último mês medicamentos para a dor de cabeça.
Há 17,9% que referem dificuldades em adormecer todos os dias, 22,8% diz que quando tem uma preocupação intensa esta "não o larga" e "não o deixa ter calma para pensar em mais nada" e mais de um em cada quatro (25,1%) sentem que as suas dificuldades se acumulam de tal modo que não as conseguem ultrapassar.
Apesar de a maioria dizer que dorme bem, mais de três em cada quatro (84,6%) dizem que lhes custa acordar de manhã e mais de metade refere falta de qualidade do sono (dificuldades em adormecer, dormir demais, acordar cedo demais e acordar a meio da noite). Quase metade (46,2%) dorme menos de oito horas/dia e, ao fim de semana, há uma compensação pois é nessa altura que mais de metade (55,8%) diz dormir mais do que as oito horas.
Houve ainda 14,6% que disseram ter tomado, no último mês, pelo menos uma vez medicação para a dificuldade de adormecer.
Adolescentes perderam capacidades socioemocionais com a pandemia
A dificuldade de contactos sociais imposta pela pandemia levou os jovens a perderem capacidades socioemocionais, uma situação espelhada no aumento das situações de conflito, como as lutas, assim como da tristeza, insegurança e medo.
Segundo Tânia Gaspar "como os jovens acabaram por estar muito isolados, por estar menos na relação uns com os outros, não tiveram tanta oportunidade de desenvolver essas competências".
"Muitas vezes, eles sentem-se inadequados e não sabem reagir", explicou a coordenadora desta investigação.
A especialista explicou ainda que o jovem, quando não sabe reagir, acaba por ter uma reação mais agressiva: "Por exemplo, a questão das lutas, que aumentaram, e isso pode ter que ver com o facto de eles não terem tido essas oportunidades de relação".
"Depois, quando têm uma situação de conflito na escola, têm menos capacidade de parar, analisar a situação e resolvê-la com tranquilidade", explicou a responsável, acrescentando: "Estes jovens entraram na pandemia, muitos deles, com 12 anos e saíram com 14, ou entraram com 14 e saíram com 16"."São alturas do desenvolvimento muito importantes, em que eles deveriam ter estado de uma forma progressiva em contacto com as novas realidades (...) e a ganhar progressivamente a sua autonomia", insistiu.
Segundo os dados do HBSC/OMS 2022 - que entre 1998 e 2019 foi coordenado pela psicóloga Margarida Gaspar de Matos -, houve um aumento no envolvimento em lutas, de 27,4% em 2018 para 32,3% em 2022, com a escola como o principal local onde estas lutas ocorrem.
Relativamente às expectativas de futuro, também elas caíram de um valor médio de 7,41 em 2018 para 7,10 este ano.
"Eles têm as suas angústias, os seus medos, os seus desejos, os seus sonhos. E tudo isso acabou por ficar adormecido durante este período", disse a responsável, prosseguindo: "Quando fazemos as nossas atividades diárias, isso é motivado por um projeto, por uma expectativa. E essa expectativa estava tão incerta que isso também desmotivou os jovens, que começaram a pensar 'por que é que eu vou estudar?'".
Este clima de incerteza criado pela pandemia - insistiu - "afetou o bem-estar e também a expectativa futura".
"Intermitência de relações" afeta relação com a família
Outra área afetada por esta "intermitência de relações" foi a relação com a família. Os dados indicam que há uma perceção mais negativa do apoio da família e há agora menos refeições em família.
Em relação à qualidade da relação familiar, baixou de um valor médio de 8,55 (em 2018) para 8,10 quatro anos depois. A perceção de apoio familiar também baixou para 22,94 (era 24,12), assim como a facilidade em comunicar com os pais.
Questionada sobre se estas "mazelas" são recuperáveis, diz que sim, "mas não automaticamente".
"Efetivamente, houve aqui impacto durante dois anos no desenvolvimento, tanto a nível da aprendizagem escolar como a nível da saúde e do desenvolvimento das crianças e jovens", reconheceu, lembrando que o foco para a recuperação deverá estar, por um lado, na escola, "integrando o desenvolvimento de competências socioemocionais nas várias disciplinas e no percurso no projeto educativo".
Trata-se de uma área que a especialista diz que deve ser trabalhada de forma transversal nas várias unidades curriculares, "para os jovens perceberem como é que isso tem utilidade".
"É importante haver cada vez mais uma relação direta entre a matéria [dada nas aulas] e a realidade, que faça sentido para os próprios jovens", disse a responsável, acrescentando: "Uma das questões será parar e conversar com eles, devolver-lhes estes resultados [do estudo] e perguntar-lhes o que sugerem que possamos fazer - como escola e como sociedade - para melhorar e para que se sintam mais felizes".
Em Portugal, o primeiro destes estudos foi aplicado em 1998 e o último tinha sido em 2018. Este ano integrou cerca de 6.000 questionários, em 40 agrupamentos de escolas do ensino regular (Portugal continental), num total d.e 452 turmas. As respostas são de alunos do 6.º, 8.º e 10.º anos de escolaridade.