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Do tempo de praia à queda de neve. O que está a motivar as alterações meteorológicas na Europa?

Em pouco mais de um mês, a Grécia passou de temperaturas perto de 20ºC para valores negativos. Em janeiro, a Península Ibérica foi atingida por uma massa de ar frio. Agora, são os países da Europa central que estão cobertos de nevões e enfrentam temperaturas abaixo de zero.

Costas Baltas

Filipa Traqueia

Se as fotografias captadas, esta semana, na Grécia mostram a capital da república helénica pintada de branco, há pouco mais de um mês, os casacos estavam guardados e era na praia que os cidadãos gregos aproveitavam para passar os dias. A 10 de janeiro, as temperaturas em Atenas rondavam os 23ºC, esta semana os termómetros registaram valores negativos.

Os fenómenos meteorológicos extremos têm marcado os primeiros meses de 2021. A par com a Grécia, também a Holanda, o Reino Unido e a Alemanha enfrentam, nos últimos dias, uma massa de ar frio que vem do Ártico. Há um mês – ao mesmo tempo que a Grécia apresentava temperaturas amenas – era a vez da Península Ibérica ser atingida pela tempestade Filomena, que trouxe a Madrid o maior nevão dos últimos 50 anos e pintou de branco o Alentejo.

“A queda de neve na Grécia não é de todo anormal, é algo que sucede com alguma frequência, ao contrário do que acontece em Portugal. A situação anormal foi mesmo as temperaturas elevadas que ocorreram em janeiro. Também não é comum aquela alternância tão rápida, mas não se consegue atribuir uma relação entre as duas”, explica à SIC Notícias Nuno Lopes, meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

Não existe uma relação entre a ocorrência dos dois extremos, mas a origem de ambas as alterações meteorológicas está a vários quilómetros de altitude, na estratosfera – a segunda camada atmosférica localizada entre 10 e 50km da superfície da Terra. Uma perturbação no vórtice polar, a corrente de ar frio que circula em torno do Ártico, é causada pelo aquecimento estratosférico repentino e resulta na alteração os padrões de circulação das correntes nas latitudes médias, levando a uma mudança na velocidade e tornando-as mais instáveis e ondulatórias.

As ondulações carregam consigo alterações na meteorologia, principalmente trazendo massas de ar frio do ártico. Em janeiro, a corrente que vinha do norte e trazia o ar frio deixou os termómetros da Península Ibérica nos negativos, ao mesmo tempo que a corrente que passava pela Grécia, vinda do sul, puxando as temperaturas mais elevadas do norte de África. Um mês depois, é mais uma vez a corrente de norte que traz o frio e a neve ao Reino Unido, Holanda, Alemanha e também à Grécia.

O estudo da meteorologia da estratosfera não está tão desenvolvido como o da troposfera – a camada mais próxima da superfície –, mas, nos últimos anos, tem sido alvo de uma maior atenção por parte dos investigadores. Em causa está a identificação de padrões de relação entre o os acontecimentos desta camada atmosférica e as consequências ao nível da superfície terrestre. A ocorrência do aquecimento estratosférico repentino é um exemplo. É possível prever as alterações no vórtice polar com alguns dias de antecedência, mas os investigadores ainda não conseguiram identificar uma tendência sobre os locais onde ocorrerão as mudanças das correntes.

“Embora praticamente todos os anos tenha ocorrido algo – uns anos o efeito tem sido maior na Europa, outros tem sido nos Estados Unidos, outros na parte asiática – ainda não conseguimos estabelecer uma relação tão longa, em termos da previsão, sobre onde vai haver a influência dessa quebra no vórtice polar”, avança ainda o meteorologista.

Portugal terá mais picos de calor do que de frio

Os distritos alentejanos de Évora e Portalegre foram surpreendidos pela queda de neve, em janeiro, o que levou os moradores a saíram à rua para desfrutar deste momento raro. Não se esperava que o primeiro mês de 2021 trouxesse uma situação de frio extremo a Portugal, principalmente porque, no decorrer da última década, a temperatura média registada neste período tem estado sempre a cima do que é esperado para a altura do ano.

O calor é a tendência para Portugal continental: cada vez haverá mais dias marcados pelas altas temperaturas e as ondas de calor, que caracterizam os últimos verões portugueses, vão ser ainda mais frequentes.

“A tendência é para haver menos dias frios, menos noites frias e, pelo contrário, haver mais situações de picos de calor, com ondas de calor mais frequentes e mais intensas [em Portugal continental]”, explica Vanda Pires, meteorologista e climatóloga no IPMA. “A mesma coisa se passa em relação à precipitação, também temos uma tendência, em termos futuros, de haver mais situações de seca, haver menos disponibilidade de água.”

O verão irá tornar-se maior, uma alteração que já está em curso e tem vindo a ser identificada pelos meteorologistas: “O que se nota é, por um lado, uma antecipação da primavera e, por outro, uma extensão do verão. O que alarga realmente este período mais seco e quente. Nós tínhamos as três estações muito bem definidas, mas agora, o que estamos a verificar é que o inverno se concentra em três ou quatro meses e há um alargar do período estival”, explica ainda a climatóloga.

Fenómenos estão a tornar-se mais intensos

Os fenómenos extremos são cada vez mais frequentes e mais intensos, não só na Europa mas também em Portugal. Nuno Lopes sublinha que, pelo menos desde 2016, “todos os anos há um ciclone tropical em águas portuguesas e a afetar, de forma direta ou indireta, o território português”. O arquipélago dos Açores é o mais fustigado, mas o mau tempo também já atingiu o continente.

“No fundo, somos a ponta da lança da Europa e, tendencialmente, podemos ser mais atingidos por estas situações”, acrescenta.

Segundo estudos realizados pela Administração Norte-americana para o Oceano e a Atmosfera (NOAA, na sigla inglesa) no final de 2019, não haverá um maior número de tempestades a acontecer no futuro – foi registado um aumento inferior a 5%, o que “não tinha grande significado" –, no entanto prevê-se que se tornem mais intensas. “A partir da altura que as tempestades são mais intensas, vão ter um período de vida também maior e aumenta a probabilidade de atingirem o território português”, esclarece o meteorologista.

Para os dois especialistas, é importante que haja uma preparação por parte da sociedade para a possibilidade destes fenómenos ocorrerem mais frequentemente. Vanda Pires considera que a adaptação da população aos impactos meteorológicos poderá levantar questões, nomeadamente ao nível da saúde e da economia.

“O facto de termos estes fenómenos cada vez com maior frequência, leva a dificuldades na adaptação. Porque estamos a recuperar de um fenómeno e, de repente, já estamos a ter outro fenómeno logo de seguida”, explica usando como exemplo o que se passou na Grécia.

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