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A carta de uma vítima de violência doméstica que perdeu a mãe e a filha de 3 anos

Sandra Cabrita diz que quer dar o seu testemunho, mas ainda não está pronta. "A seu tempo hão-de ter", escreveu numa carta enviada à repórter da SIC. Pode ler aqui a carta de Sandra na íntegra.
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SIC Notícias

Um mês depois da tragédia, a repórter da SIC Marta Sobral tentou falar com Sandra Cabrita, a mulher que perdeu a mãe e a filha de 3 anos mortas pelo ex-marido que se matou, em fevereiro, em Castanheira de Pera. O caso chocou o país.

Sandra Cabrita diz que quer dar o seu testemunho, mas ainda não está pronta. "A seu tempo hão-de ter", escreveu numa carta enviada à repórter da SIC.

Pode ler aqui a carta de Sandra na íntegra

Porque este tema tem mesmo de ser abordado, as mentes alteradas, a população mais informada, os meios de apoio mais eficazes, as leis melhoradas, as vítimas mais protegidas, uma maior sensibilidade de quem aplica as leis e que exista uma punição devida para quando existir negligência no exercício das respetivas funções.

Ligo a televisão e tomo conhecimento de mais vítimas e isso mexe comigo, aumenta a minha dor, intensifica-me o nó na garganta e o aperto no coração. Em vez dos agressores retraírem-se com o facto da sociedade estar mais alerta para esta realidade, parece que os motiva a concretizar o ato.

Falem não "só " da violência física, que deixa marcas visíveis, possíveis de comprovar, cuja justiça age de forma tão branda; como falem também da violência psicológica que é tão desvalorizada e faz com que as próprias vítimas demorem a assumir que estão a ser alvo de violência doméstica.

Quando a violência é psicológica e não há provas evidentes, quando é bem feita e não tem testemunhas ou quando as próprias testemunhas são iguais ou vão pela ideia que formulam dessa mesma "pessoa", nessas circunstâncias como é que a vítima consegue comprovar as suas denúncias?!

Como se protegem as vítimas ?

Como é que a "justiça" pune o agressor e evita que a violência evolua da psicológica para a física?

E as pessoas que perdem os seus entes amados diretos, assassinados, que resistem à violência, que apoio presta o Estado?

Uma amiga minha falou-me acerca deste último ponto revoltadíssima e (até colocou um post no meu Facebook quanto a este tema). Sim, porque tenho amigas verdadeiras e alguns familiares próximos que nos têm apoiado, a mim e ao meu pai. Se não fossem eles de nada adiantava a força que herdei da minha mamusca. Ninguém é forte sozinho. E se tenho/temos tido forças é graças a todos eles e até à minha entidade patronal/chefes que têm sido incríveis e a certos conhecidos e desconhecidos.

E aqueles que nao têm família ou amigos para dar suporte emocional?

E quem não tem dinheiro ou seguros de saúde para poder suportar os custos de ajuda profissional?

Nos tribunais as leis não são bem aplicadas; a polícia não orienta devidamente, nega ajuda justificando que determinada intervenção nao é do seu âmbito e o estado/sistema nacional de saúde nao disponibiliza ajuda de profissionais para ajudarem as vítimas.

Sei que não era um texto deste género que estavam à espera, mas sim do meu testemunho. A seu tempo hão-de ter. Quero ajudar na mudança, quero ajudar outras famílias, isso está-me no sangue e nos valores que me foram transmitidos ao longo da vida pelos meus pais. Vamos em conjunto evitar que existam mais Laras, avós guerreiras, mais mães a perderem os seus filhos, mais homens ou mulheres viúvas. Mudemos mentalidades e, fundamentalmente, o sistema.

Um grande beijinho e abraço de quem na primeira pessoa vive o pesadelo eterno.

Sandra Cabrita

O caso do duplo homicídio no Seixal chocou o país, em fevereiro. A repórter Marta Sobral esteve esta sexta-feira no centro de Cruz de Pau, no concelho do Seixal, onde as pessoas continuam sem querer falar sobre o caso.

Um caso que chocou o país

Referenciado na PSP por agressões, o ex-marido de Sandra Cabrita matou a ex-sogra à facada no interior da residência, onde estava a filha menor.

A menina, de apenas 3 anos, foi levada pelo pai e foi encontrada sem vida, no dia seguinte à morte da avó, na bagageira de um carro abandonado junto ao McDonald’s de Corroios. O alerta foi dado pelo assassino, que ligou para o 112 pouco depois das 8:25.

No mesmo dia, o homem conduziu mais de 200 quilómetros, para Castanheira de Pera, perto da casa dos pais, onde se suicidou. Estava referenciado por agressões e maus tratos à ex-mulher, um caso de “elevado risco”, mas o Ministério Público não deu seguimento às acusações. O caso foi arquivado.

Nos autos do processo consultados pela SIC, a ex-companheira do duplo-homicida, Sandra Cabrita, temia ser assassinada e que a filha fosse raptada pelo ex-companheiro.

Homem que matou filha e sogra estava referenciado por violência doméstica "de risco elevado"

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