"Acho absolutamente lamentável, do ponto de vista do direito internacional e das relações diplomáticas, que vários Estados europeus, incluindo Portugal, estejam a sucumbir a pressões de um aliado e a ter o comportamento que tiveram para com o avião do presidente (boliviano) Evo Morales", disse Ana Gomes, contactada telefonicamente pela agência Lusa para Estrasburgo.
Para a deputada socialista, Morales "é o presidente de um governo legítimo, de um país, a Bolívia, com quem temos relações diplomáticas", pelo que o comportamento de Portugal, França e da Áustria, "que chegou ao ponto de fazer uma busca ao avião", "é absolutamente incompatível com a imunidade diplomática" devida ao presidente boliviano.
"Relativamente aos voos da tortura, não vi o mesmo zelo dos países europeus, incluindo Portugal, para investigar o conteúdo dos aviões", disse Ana Gomes, criticando o "contraste evidente" na atuação de um mesmo governante, Paulo Portas, ministro da Defesa à época dos chamados voos da CIA e que agora, ainda como ministro dos Negócios Estrangeiros, "terá dado" instruções para não autorizar a passagem de Morales.
"Acho que a Bolívia tem carradas de razão quando protesta e exige explicações de governos como o português", disse.
Para Rui Tavares, independente integrado no grupo dos Verdes do Parlamento Europeu, o imbróglio diplomático e o incidente com o avião de Evo Morales, é "um exemplo da duplicidade dos governos", que "só sabem" que estavam a ser escutados pelos Estados Unidos "através de Edward Snowden".
"Fazem-se de muito escandalizados por estar a ser escutados (...), mas fogem assustados de dar asilo político ou fazer o tratamento normal de um requerente de asilo político (...) E têm medo, pânico, de que um avião onde possa estar Edward Snowden toque sequer o solo dos países europeus", disse o eurodeputado, também contactado telefonicamente pela Lusa para Estrasburgo.
Rui Tavares critica igualmente que esses governos, nomeadamente o de Portugal, não tenham tido a mesma preocupação quando "aviões com pessoas sequestradas ilegalmente, enviadas para centros de tortura, enviadas para prisões secretas, enviadas para prisões legais como Guantánamo", passaram pelos seus territórios.
"O ministro Paulo Portas, que aparentemente impediu a passagem deste avião num dos seus últimos atos políticos, era ministro de um governo que deixou passar aviões" operados pela CIA e que transportaram ilegalmente dezenas de suspeitos de terrorismo.
Para Ana Gomes, o escândalo em volta do programa norte-americano de vigilância de comunicações deve levar os dirigentes europeus a suspender temporariamente as negociações para um acordo de comércio livre com os EUA, até que sejam dadas "explicações e compromissos" de que este tipo de espionagem de aliados não se repete.
Tavares, pelo contrário, considera dispensável essa suspensão, porque "esses esclarecimentos muitas vezes tomam a forma de garantias diplomáticas" que, em muitos casos, "não querem dizer nada".
Ambos defendem, no entanto, que as negociações do acordo UE-EUA devem ser acompanhadas da negociação e adoção de regras para a proteção dos dados pessoais dos cidadãos europeus, até porque, com acordo de comércio, o volume de dados europeus geridos por empresas norte-americanas vai aumentar significativamente.
Portugal e França recusaram autorizar a passagem pelos seus territórios do avião presidencial boliviano, que na segunda-feira à tarde pretendia nomeadamente sobrevoar Portugal e fazer uma escala para reabastecimento em Lisboa, na viagem de regresso a La Paz depois de uma visita a Moscovo.
Segundo as autoridades bolivianas, a recusa deveu-se a "suspeitas infundadas" de que a bordo estaria o ex-consultor da CIA Edward Snowden, há dez dias em Moscovo à espera de uma solução diplomática que evite a sua extradição para os Estados Unidos.
Segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros português, a recusa deveu-se a "considerações técnicas".
Lusa