As alterações climáticas já eram tema de estudo científico há décadas, mas foi com o acumular de informação e evidências científicas compiladas nos relatórios do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) – organismo criado em 1988 no âmbito da ONU – e com a assinatura da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, em 1992, que o tema das alterações climáticas passa verdadeiramente para as esferas política e da opinião pública. E se, nos primeiros relatórios, o IPCC considerava a possibilidade da interferência humana no clima global, em 2013 declara que o aumento da temperatura média global é inequívoco e confirma a responsabilidade humana nas alterações climáticas.
Nessa altura, já o antigo vice-presidente dos EUA, Al Gore, tinha feito o documentário "Uma Verdade Inconveniente" (2006). Filme que lhe valeu, em conjunto com o IPCC, o prémio Nobel da Paz. Mas muitos políticos, empresários e cidadãos comuns continuavam a duvidar de que as alterações climáticas estivessem mesmo a ocorrer e que os seres humanos – através da queima de combustíveis fósseis, da desflorestação e da criação de gado, por exemplo – estivessem a contribuir ativamente para essas mudanças com a emissão para a atmosfera terrestre de quantidades gigantescas de gases com efeito de estufa, como o dióxido de carbono ou o metano.
Hoje temos o Acordo de Paris (o primeiro acordo verdadeiramente global para lidar com o problema, que entrou em vigor em novembro de 2016, menos de um ano depois de ter sido adotado em dezembro de 2015) e os negacionistas e céticos são em muito menor número, ainda que tenham rostos bem conhecidos e poderosos a nível mundial, como o Presidente dos Estados Unidos, e outras figuras da Administração Trump.
Dez anos depois de fazer o primeiro filme, Al Gore voltou à carga com uma sequela em tom mais otimista e, esta quinta-feira, na Web Summit em Lisboa, mostrou-se confiante de que conseguiremos resolver a crise climática com a ajuda da tecnologia.
O preço de produzir eletricidade através de fontes renováveis baixou e há soluções tecnológicas para iniciarmos a transição energética para uma economia de baixo carbono. Trump anunciou a saída do Acordo de Paris (de que os EUA só poderão sair efetivamente em 2020), mas cidades e Estados norte-americanos mantêm-se firmes no objetivo de reduzir emissões, e o anúncio não arrastou consigo outros países, que se dizem empenhados em conter o aumento da temperatura "muito abaixo de 2ºC" em relação à era pré-industrial.
Mas, na prática, os países industrializados estão muito longe de cumprir as metas com que se comprometeram voluntariamente no âmbito do Acordo de Paris e os combustíveis fósseis ainda dominam os transportes e a produção de eletricidade a nível global.
Na semana passada, a Organização Meteorológica Mundial informou que em 2016 a concentração de dióxido de carbono na atmosfera atingiu 403,3 partes por milhão (ppm), o valor mais alto em 800 mil anos.
A mesma organização informou, no arranque da 23.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climática na passada segunda-feira em Bona, na Alemanha, que 2017 deverá ser um dos três anos mais quentes desde que há registos, só ultrapassado por 2016, e acima de 2015.
Os avisos sobre os custos astronómicos, não só ambientais mas também económicos e sociais, são cada vez mais insistentes. Além da perda de biodiversidade e da destruição de infraestruturas e economias, as alterações climáticas podem gerar conflitos e deslocação massiva de populações.
Não há por isso razões para excesso de otimismo.
A tecnologia será certamente importante para nos adaptarmos a um clima em mudança e para procurarmos mitigar o problema, através de energias renováveis e processos mais eficientes, mas com mais de 7,5 mil milhões de pessoas na Terra não bastará mudarmos para carros elétricos e andarmos mais de transportes públicos, pormos painéis solares no telhado, termos gadgets para monitorizar o consumo de eletricidade, separarmos os resíduos, e comermos menos carne.
O futuro exigirá que pensemos num novo modelo de desenvolvimento assente numa relação mais equilibrada da sociedade humana com a natureza de que fazemos parte. E muito provavelmente esse modelo terá de partir de princípios radicalmente novos sobre o que é verdadeiramente importante na vida dos seres humanos.