No rescaldo do Acordo que saiu ontem da Conferência do Clima de Paris, é importante ver o que há de positivo e de insuficiente neste acordo mundial, que parte de compromissos nacionais voluntários, de acordo com as capacidades que cada país entende que tem. Por um lado, é um primeiro passo coletivo das 196 partes (195 países mais a União Europeia) da Convenção-quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas. Um primeiro passo conjunto que estabelece o objetivo de reforçar a resposta global à ameaça das alterações climáticas, através da redução de emissões de gases com efeito de estufa, da adaptação aos impactos adversos, e do financiamento aos países em desenvolvimento para que essa trajetória de baixo carbono e elevada resiliência climática seja possível.
Um primeiro passo que visa conter o aumento da temperatura média do planeta “bem abaixo dos 2ºC” em relação aos níveis pré-industriais, e prosseguir esforços para limitar esse aumento a 1,5ºC, reconhecendo que isso reduziria de forma significativa os riscos e impactos das alterações climáticas.
Por outro laldo, é um acordo que deixa de fora setores de atividade como a aviação e o transporte marítimo, grandes emissores de gases com efeito de estufa, e que, partindo dos compromissos voluntários dos países, não chega para cumprir o objetivo dos 2ºC muito menos o de 1,5ºC. Já que, feitas as contas às reduções em cima da mesa, estamos numa trajetória de aumento da temperatura média do planeta próximo dos 3ºC, o que obrigará a uma revisão em alta desses compromissos nacionais no sentido de cortes cada vez mais significativos mesmo antes de 2020, a data para a entrada em vigor do Acordo de Paris. Só que numa linguagem por vezes vaga, e com demasiadas recomendações, e poucas obrigações, o efetivo cumprimento de cada país pode ficar comprometido.
O que quer dizer que, ao nível nacional, regional e local, é preciso que as organizações não governamentais e os cidadãos estejam atentos e exijam o cumprimento do que for sendo prometido.
E aqui entram também os jornalistas.
Muitos cientistas têm dito que, se queremos impedir que a temperatura média do planeta não suba mais do que 1,5ºC e prevenir impactos potencialmente catastróficos, temos de por fim à extração de combustíveis fósseis até 2050.
Um jornal de que gosto particularmente, e que é também um dos jornais britânicos mais respeitados a nível mundial, o The Guardian, lançou este ano uma campanha pelo desinvestimento em energias fósseis, como o carvão, o petróleo ou o gás natural. O jornal apontou baterias a duas fundações – a Fundação Bill e Melinda Gates e o Wellcome Trust –, ambas com trabalho filantrópico meritório, mas também com grandes investimentos na indústria petrolífera e do carvão, em contradição com o desígnio de criar um mundo melhor.
A ideia de um jornal e de jornalistas tomarem partido e, inequivocamente, abraçarem uma causa, explicando porque o fazem, não é inédita, mas é pouco usual com esta dimensão e num tema que pode parecer puramente económico-financeiro.
A principal mensagem do “Keep it in the Ground” é que devemos manter os combustíveis fósseis no solo, em vez de continuarmos a perfurar cada vez mais fundo e mais longe, para depois queimá-los nos fornos das indústrias ou nos motores dos carros, contribuindo para a crescente concentração de dióxido de carbono na atmosfera, e para o desequilíbrio do efeito de estufa. Aquele efeito, tipo cobertor do Planeta, muito conveniente porque permite termos uma temperatura média global compatível com o nosso modo de vida, mas que, com a concentração cada vez maior de gases como o dióxido de carbono e o metano na atmosfera terrestre, está a ser exacerbado e a fazer com que a temperatura média global esteja a aumentar muito rapidamente e com efeitos potencialmente catastróficos para a qualidade de vida das pessoas.
O editor chefe, Alan Rusbridger, estava de saída após 20 anos à frente do jornal. Mas, 6 meses antes de sair do The Guardian, quis deixar um legado, porque sentia que faltava contar uma história, que o jornalismo tinha falhado nesse campo, e convenceu toda a equipa a escrever aquela que considera a mais importante história do mundo na atualidade: uma história sobre política e economia e, sobretudo, uma história sobre as pessoas.
A questão climática tem sido sempre vista como uma história ambiental. Uma questão de salvar o Planeta. Ou salvar os ursos polares. Mas na verdade a grande história das alterações climáticas, do que já está a acontecer (este ano marca 1º C de aumento da temperatura média global em relação ao período pré-industrial) e o que poderá acontecer até ao final deste século não é sobre o planeta (que sobreviverá com um clima diferente), nem só sobre ursos polares, ou outras espécies e ecossistemas ameaçados. É uma história sobre as pessoas, sobre perdas e danos. Uma história que nos afeta a todos. Mas que afeta sobretudo os mais pobres e com menos capacidade de se adaptar e de reagir a fénomenos extremos. A escassez de água e de alimentos, o surgimento de doenças, as cheias rápidas e destruidoras, o eventual desaparecimento de Estados-ilha são realidades com impacto direto em vidas humanas em todo o mundo.
A crise climática ameaça não apenas a biodiversidade e os ecossistemas, mas também a prosperidade e a própria paz, ao pôr em causa a segurança alimentar, o acesso a água, a produção de energia e as infraestruturas. Nalguns momentos da história contemporânea, como durante o Apartheid na África do Sul, puseram-se questões éticas que levaram a que não fosse possível para um jornal, ou um jornalista, alhear-se e não tomar partido pelo lado da justiça e dos direitos humanos. Será que nesta história não estamos perante uma questão ética que desafia um modelo de desenvolvimento assente numa relação profundamente desequilibrada com a natureza e na ideia de que é preciso “crescer” indefenidamente e a qualquer custo?