A barragem de Kamfers, na cidade sul-africana de Kimberley, é um dos poucos locais em África onde os flamingos-pequenos se reproduziam em grande número. Mas a poluição da água com esgotos afastou as aves, agravando o declínio desta espécie já ameaçada.
Até há cerca de cinco anos, o flamingo-pequeno (Lesser flamingo, em inglês) reproduzia-se em quatro locais de África: uma salina no Botswana e outra na Namíbia, um lago na Tanzânia e uma barragem artificial nos arredores da histórica cidade mineira de diamantes de Kimberley, na África do Sul. Agora, restam apenas três.
Durante anos, a barragem de Kamfers recebeu descargas de esgotos não tratados, tornando a água tóxica. Era o único corpo de água na África do Sul onde os flamingos-pequenos se reuniam em número suficiente para se reproduzirem. Hoje, já não há flamingos ali, alertam os ambientalistas.
Uma espécie em declínio
Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), o flamingo-pequeno é classificado como "quase ameaçado", mas não em perigo de extinção. A população estimada situa-se entre dois a três milhões de indivíduos, sendo que cerca de 80% vivem em África e os restantes numa pequena região do Sul da Ásia.
No entanto, a tendência é de declínio acentuado e a perda de um dos poucos locais de reprodução agrava drasticamente a situação.
Ester van der Westerhuizen-Coetzer, especialista em zonas húmidas da empresa mineira local Ekapa Group, contou à agência Reuters que os flamingos começaram a reproduzir-se na barragem de Kamfers em 2006. Em 2020, estimava-se que ali viviam cerca de 71 mil flamingos, com cerca de 5 mil crias por temporada.
“Não poderão reproduzir-se na barragem de Kamfers até que os níveis de água voltem às condições normais”, afirmou.
Esgotos, um problema nacional
A situação da barragem de Kamfers reflete um problema nacional: muitas estações de tratamento de esgotos na África do Sul estão em más condições ou deixaram de funcionar.
Imagens captadas em 2020 pela Wildlife and Environment Society da África do Sul mostravam a barragem coberta por flamingos. Este mês, quando a Reuters visitou o local, não se via um único exemplar.
O lago apresenta agora uma lama esverdeada, a borbulhar, com cheiro intenso a dejetos humanos.
“Com o tempo, simplesmente desapareceram. Estão a deslocar-se para lagoas na região, mas não se estão a reproduzir”, disse Brenda Booth, proprietária de uma quinta vizinha. “É muito deprimente agora.”
Brenda Booth conseguiu recentemente uma ordem judicial que obriga o município, governado pelo Congresso Nacional Africano e responsável por Kimberley, uma cidade com 300 mil habitantes, a resolver o problema da poluição.
O responsável municipal, Thapelo Matlala, explicou à Reuters que a estação de tratamento foi vandalizada por ladrões que roubaram equipamento, deixando-a inoperacional.
“Estamos muito preocupados. Sabemos que os flamingos atraem turistas a Kimberley e isso ajuda a economia local e o emprego. Este problema é urgente para nós”, disse Matlala, acrescentando que seriam necessários 106 milhões de rands (cerca de 5,9 milhões de dólares) para restaurar a estação — dinheiro que o município não tem.
Uma dieta exigente e poucos lugares onde viver
Os flamingos-pequenos alimentam-se principalmente de spirulina, uma alga verde-azulada, que filtram da água através de estruturas especializadas nos bicos. Esta dieta restringe-os a lagos alcalinos, principalmente no Vale do Rift, na África Oriental.
São ainda mais exigentes nos locais de nidificação: restam apenas três em África e outros três na Índia.
A bióloga conservacionista Tania Anderson disse à Reuters que a IUCN está prestes a rever o estatuto da espécie para “vulnerável”, o que significa que estará “em alto risco de extinção na natureza”.
Esta alteração deve-se, sobretudo, à perda de habitats adequados, como estuários salgados e lagos pouco profundos, fundamentais para a reprodução.
"Com a perda deste local de reprodução, o número de flamingos está a diminuir na região”, sublinhou Anderson.
Poluição global põe ecossistemas em risco
A degradação da barragem de Kamfers insere-se num cenário mais vasto de deterioração de ecossistemas aquáticos por todo o mundo.
Um estudo publicado em 2021 na revista Biological Conservation alertava já que muitos destes ecossistemas estão ameaçados pela poluição, nomeadamente por esgotos.