Como é a vida das crianças na Ucrânia, nascidas depois do início da guerra? As famílias esforçam-se por proteger os mais novos, mas é impossível resguardá-los de tudo. Quando Ludmyla Rodchenko deu à luz Yevhen Stepanenko, um tanque de guerra russo aproximava-se do hospital onde nasceu.
Brinca como qualquer outra criança despreocupada na sua casa em Bucha, nos arredores da capital, Kiev. Correr na rua já é uma atividade que não faz tanto como gostaria, devido às limitações da guerra.
A mãe, Ludmyla Rodchenko, conta as dificuldades por que passou com o mais novo de quatro filhos, que nasceu em março de 2022, menos de duas semanas depois do início da invasão russa, que aconteceu a 24 de fevereiro desse ano.
"Zhenia nasceu a 6 de março. Não tínhamos a certeza do que aconteceria nas próximas uma, duas ou três horas, muito menos no dia seguinte. Zhenia nasceu a 6 de março e na manhã de 7 de março, às 6h da manhã, havia um tanque (russo) junto ao hospital," conta Ludmyla, mãe solteira, aos repórteres da agência Reuters.
A vida de Zhenia, como é carinhosamente tratado pela família, reflete a trajetória do seu país ao longo de mais de 1.000 dias de ataque da Rússia, ambos marcados por um ajustamento gradual a um estado de guerra constante.
A ofensiva russa avança no Leste, enquanto drones e mísseis sobrevoam vilas e cidades muito atrás da linha da frente.
Os ucranianos aprenderam a prosseguir com as suas vidas apesar do perigo, constroem famílias, negócios e carreiras no meio do frequente som das sirenes de ataque aéreo e das explosões, mais ou menos distantes.
"Estou a tentar garantir que ele tenha uma infância normal, e não foque a sua atenção nas sirenes de aviso de ataque aéreo", explica, acrescentando que mesmo assim é impossível evitar que Zhenia se assuste quando surgem os alertas.
Ainda assim, as sirenes de alerta que ouve agora estão muito longe dos perigos que o menino, agora uma criança robusta, enfrentou nos primeiros dias de vida.
Fuga pelo país com o “pequeno herói” recém-nascido
A mãe, de 42 anos, recorda a fuga pelo país com um recém-nascido totalmente embrulhado sob a geada do final do inverno, a mendigar água quente às tropas nos postos de controlo para preparar leite em pó para dar ao bebé.
"Ele é um verdadeiro herói, um pequeno herói. Tinha apenas três dias quando passou por uma viagem tão difícil, estava todo enrolado em cobertores, não dava para ver o rosto dele. Passou pelo frio e pela geada," descreve Ludmyla.
Semanas mais tarde, as tropas ucranianas descobriram os horrores da ocupação russa na cidade natal da família, Bucha, onde civis massacrados foram deixados espalhados pelas ruas.
Ludmyla, como muitos outros ucranianos, teme que os combates durem anos, mas a logística e a falta de recursos dificultam a mudança para o estrangeiro.
Milhões de pessoas fugiram das suas casas e o seu regresso permanece incerto, ameaçando a frágil situação demográfica do país.
Esperança num futuro com adultos mais resilientes
Nataliia Tatushenko, que cuida de Zhenia, considera que o menino assim como os seus colegas tendem a ser mais sensíveis e apegados à segurança dos pais.
A educadora de infância acredita, no entanto, que as atuais circunstâncias desafiadoras podem prepará-los melhor para um futuro como adultos mais resilientes.
As autoridades ucranianas têm procurado promover um sentido de resiliência entre a população, especialmente porque os ataques aéreos russos à rede energética tornaram os apagões uma característica regular do quotidiano.
"No momento, são pequenos e comportam-se como crianças, mas quando ficarem um pouco mais velhos ficarão mais calmos em situações stressantes," acredita Nataliia Tatushenko.