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O que é Worldcoin, projeto que digitaliza a íris a troco de criptomoedas?

Mais de 4 milhões de pessoas em 120 países já se inscreveram para o registo dos seus dados biométricos, mas o projeto levanta dúvidas sobre o armazenamento e utilização de dados pessoais.

Carlos José, de 21 anos, num ponto de registo da Worldcoin em Barcelona, Espanha, 4 de agosto de 2023.
Emilio Morenatti / AP

Catarina Solano de Almeida

A empresa Worldcoin está a recolher dados biométricos em vários países, incluindo em Portugal, através do registo digital da íris e a troco de pagamento em criptomoedas. Mais de 4 milhões de pessoas em 120 países já se inscreveram, mas o projeto suscitou dúvidas de defensores da privacidade relativamente à recolha, armazenamento e utilização de dados pessoais.

A Worldcoin está a chamar a atenção dos reguladores de privacidade em todo o mundo, como por exemplo, a portuguesa Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) que anunciou a abertura de uma investigação, e a congénere espanhola que suspendeu esta semana a atividade da empresa.

A empresa criada por Sam Altman, fundador da OpenAI, que desenvolveu o ChatGPT tem agora de se defender em vários países e explicar se a recolha que faz dos dados biométricos é realmente segura.

O que é a Worldcoin?

Worldcoin é uma criação do CEO da OpenAI, Sam Altman. Tem como principal objetivo a criação de uma “passaporte digital” para todas as pessoas do mundo, explica no seu site.

“A Worldcoin foi concebida para vir a ser a maior rede de identidade humana e financeira do mundo, disponibilizando recursos a toda a gente. A Worldcoin tem como objetivo proporcionar o acesso universal à economia global, independentemente do seu país ou contexto, estabelecendo um espaço para todos nós beneficiarmos da era da IA.”

O objetivo da Worldcoin e da empresa que a apoia, Tools for Humanity, é dar às pessoas uma forma de identificação que nunca poderá ser roubada nem duplicada. Para isso, a Worldcoin cria uma “ID Mundial” digitalizando a íris das pessoas através de um dispositivo esférico que capta uma imagem da íris, a parte colorida dos olhos.

Uma das possíveis utilizações deste "ID Mundial" seria nos serviços online, para os quais muitas vezes as pessoas precisam de se lembrar de várias passwords e nomes de utilizadores.

No entanto, a segurança desses sites pode ser falível e todos conhecemos casos de violações de segurança em que foram roubados nomes de utilizadores e passwords. Em vez de usar senhas de identificação, uma pessoa poderia simplesmente registar-se utilizado o seu “ID Mundial”.

Qual é a ligação com as criptomoedas?

A Worldcoin é acima de tudo um projeto de identificação, mas usa criptomoedas para fazer com que as pessoas se inscrevam.

O token Worldcoin está a ser negociado a 7,38 dólares (6,77 euros) (cotação às 10h00 de 7 de março), quando foi lançado estava a 1,90 dólares (1,74 euros), em agosto de 2023.

A Worldcoin foi lançada oficialmente em julho de 2023 e, como parte da promoção, os primeiros utilizadores receberam uma quantia de criptomoedas no valor entre 50 e 60 dólares (entre 45 e 55 euros).

São valores que correspondem a muito dinheiro nos países em desenvolvimento, como no Quénia, onde o rendimento médio mensal é de cerca de 170 dólares (cerca de 155 euros).

Quais são as preocupações com a privacidade?


As esferas da Worldcoin recolhem dados biométricos tirando fotografias da íris de uma pessoa. Embora a Worldcoin argumente que os dados são usados para criar uma forma única e segura de identificação, os especialistas em privacidade temem que a empresa possa usar as informações de outras maneiras, como marketing personalizado.

Estes receios levaram alguns países a investigar as operações da Worldcoin, primeiro a França, a Alemanha e o Quénia - onde a Worldcoin foi entretanto suspensa -, mais recentemente, Portugal e Espanha.

A autoridade de proteção de dados da Baviera (BayLDA) - que, como explicou à Lusa a Comissão Nacional de Proteção de Dados, o local "onde a das empresas tem um estabelecimento na União Europeia, e portanto, [a BayLDA] atua como autoridade de controlo principal" - iniciou uma investigação à Worldcoin e à Tools for Humanity sobre a segurança de dados.

Atividade da Worldcoin suspensa em Espanha

A Agência Espanhola de Proteção de Dados (AEPD) ordenou a suspensão da atividade da empresa Worldcoin a 6 de março por não ser claro o uso que a empresa faz aos dados pessoais dos utilizadores.

A AEPD tinha anunciado em 20 de fevereiro a abertura de uma investigação à atividade da empresa na sequência de quatro queixas que tinham chegado a este organismo.

A partir de 6 de março, "é ilegal" qualquer atividade da empresa que tenha como fim recolher dados pessoais em Espanha, disse a presidente da AEPD, Mar España, em conferência de imprensa em Madrid.

Comissão Nacional de Proteção de Dados investiga

A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) disse a Lusa a 6 de março que "tem uma investigação a decorrer sobre o Projeto Worldcoin, iniciada em 2023 por sua própria iniciativa, tendo já realizado uma ação de fiscalização aos locais de recolha de dados, bem como feito diligências junto das empresas envolvidas no projeto, no sentido de obter informações relativas ao tratamento de dados pessoais".

Por outro lado, está "em articulação com a sua congénere da Baviera, que é onde uma das empresas tem um estabelecimento na União, e portanto, atua como autoridade de controlo principal, além de estar em contacto com outras autoridades de proteção de dados da UE, que também têm cidadãos afetados por este tratamento de dados pessoais".

A entidade está ainda "a trabalhar no sentido de concluir a sua análise quanto à conformidade deste tratamento de dados com o RGPD [Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados], com vista a tomar uma decisão sobre a atuação a ter neste caso".

A CNPD encoraja os cidadãos “a ler atentamente as condições do tratamento de dados e a refletir sobre a sensibilidade dos dados que estão a fornecer e no que significa tal cedência envolver, por contrapartida, um eventual pagamento”.

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