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Dia Mundial do Refugiado: seis perguntas e dois desafios

Este ano foi atingido um número máximo de refugiados, em grande parte devido à guerra na Ucrânia.

A guerra na Ucrânia provocou mais de sete milhões de refugiados e criou a maior crise desde a II Guerra Mundial, marcando, este ano, o Dia Mundial do Refugiado, celebrando pela ONU em 20 de Junho. Aqui ficam alguns dados importantes para perceber a importância da efeméride.

1. Quantos refugiados existem no mundo?

Mais de 100 milhões. Este ano foi a primeira vez que se alcançou um número tão elevado de refugiados, mas esse valor inclui pessoas deslocadas dentro dos seus países.

A ONU destaca o papel da guerra da Ucrânia neste recorde. “Um recorde que nunca devia ter sido estabelecido”, segundo o alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi.

De acordo com o ACNUR, o número de pessoas deslocadas à força em todo o mundo estava, no final de 2021, nos 90 milhões e devia-se, sobretudo, a novas ondas de violência ou conflitos prolongados em países como a Etiópia, o Burkina Faso, Myanmar, Nigéria, Afeganistão e República Democrática do Congo.

Desde o início deste ano, a guerra na Ucrânia juntou a esse número mais oito milhões de pessoas, além de mais de sete milhões de refugiados para os países vizinhos.

Estes 100 milhões de pessoas representam cerca de 1% da população global, sendo que o número total é equivalente ao dos habitantes do 14.º país mais populoso do mundo.

Para além de conflitos e violência, desastres naturais como inundações, tempestades e ciclones também terão provocado 23,7 milhões de deslocados internos no ano passado, a maior parte dos quais na região Ásia-Pacífico.

2. Quais são os países de onde fogem mais pessoas?

Desde o início do ano, da Ucrânia, que se tornou a maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial. Já foram contabilizados cerca de 7,3 milhões de refugiados desde a invasão russa, embora uma parte das pessoas tenha, entretanto, regressado ao país.

Em segundo lugar na lista surge a Síria, com 6,7 milhões de refugiados, uma crise que dura há uma década e que era, até este ano, a maior em curso.

A Venezuela é o terceiro país de onde fogem mais pessoas, somando já cerca de 5,4 milhões de refugiados, não porque esteja em guerra, como acontece com os dois países anteriores, mas pelo regime autoritário e consequente pobreza.

O Sudão do Sul é o país a seguir na lista dos que mais refugiados contam. Independente desde 2011 e rico em petróleo, é um dos países mais pobres do mundo e um dos que tem maiores taxas de mortalidade infantil, ao que não será alheio o facto de ter sido palco da mais longa guerra civil da história de África (1983-2005). Deste país já fugiram mais de quatro milhões de refugiados.

O Afeganistão, de onde saíram há cerca de um ano, as forças militares dos Estados Unidos e dos seus aliados – que mantinham um regime moderado no poder – voltou a ser um país em crise e de onde muitos querem fugir. Até agora, a ONU já contabilizou mais de 2,6 milhões de refugiados.

Ainda com mais de um milhão de refugiados conta-se Myanmar (antiga Birmânia), onde um golpe de Estado levou uma junta militar ao poder em 2021, provocando repressões, detenções e perseguições graves no país. Além disso, o país luta ainda com a minoria étnica rohyngia, que tem sido violentamente perseguida, sendo que cerca de 800 mil fugiram para o vizinho Bangladesh.

3. Quais os países que acolhem mais refugiados?

A Turquia é o país onde vivem mais refugiados: 3,7 milhões de sírios e quase mais um milhão de outras nacionalidade. Este número deve-se, em grande parte, a um acordo assinado em 2016 entre a Turquia e a União Europeia, ao abrigo do qual Ancara se comprometeu a impedir a saída de refugiados do seu território (para a Europa), recebendo, em compensação 6 mil milhões de euros de ajuda.

Atualmente a Polónia é o segundo país que mais refugiados acolhe, devido à fuga dos ucranianos da guerra provocada pela Rússia, albergando, no seu território, cerca de 3,6 milhões de fugitivos.

O Paquistão é outro dos países de acolhimento de um grande número de refugiados, neste caso do Afeganistão, albergando já mais de três milhões de refugiados afegãos, que fugiram da guerra e da violência.

A Colômbia, embora viva um conflito armado interno há 40 anos que tem provocado um grande número de refugiados do país, tornou-se também um dos países que mais acolhe fugitivos, nomeadamente da Venezuela, contabilizando já mais de 1,7 milhões de pessoas.

O lugar seguinte da lista é ocupado pelo Uganda, que acolhe mais de 1,6 milhões de refugiados, sobretudo do vizinho Sudão do Sul e da República Democrática do Congo, sendo que a maioria destas pessoas vive em grandes campos de refugiados.

Por fim, a Alemanha, o país europeu mais procurado por refugiados e que mantém, no seu território, mais de 1,2 milhões de pessoas que fugiram de outros países. A maior parte destes refugiados provêm da Síria, do Afeganistão e do Iraque, mas já existe uma importante comunidade ucraniana.

4. Qual é a definição de refugiado?

Refugiados são pessoas que foram forçadas a fugir dos seus países de origem devido a guerras, perseguições ou violência, devendo provar ter um receio fundamentado de serem perseguidos devido à raça, religião, nacionalidade, opinião política ou por pertencerem a um determinado grupo social ou étnico.

A Convenção de Refugiados de 1951 descreve os direitos dos refugiados, incluindo o direito de não-devolução a um país onde possa ser perseguido.

Os refugiados são civis, mas ex-militares também podem apelar a esse estatuto. Os únicos garantidamente excluídos são pessoas condenadas por crimes de guerra ou crimes contra a humanidade.

5. Qual é a diferença entre refugiados, migrantes, requerentes de asilo e deslocados internos?

Os refugiados fogem dos seus países por ameaças de perseguição e por não se sentirem protegidos no seu próprio país. Os migrantes, por seu lado, podem deixar o seu país por qualquer motivo, como procurar um melhor emprego, contribuir para a reunificação familiar ou visar mais educação. Um migrante continua sob a proteção do Governo do seu país e pode regressar quando quiser.

Os refugiados são protegidos por leis internacionais, enquanto os migrantes estão sujeitos às leis específicas do país para onde se mudam.

Os requerentes de asilo são pessoas que solicitaram proteção – estatuto de refugiado – na chegada a um país, mas o pedido ainda está em análise.

Pessoas deslocadas internamente são fugitivos de conflitos, violência ou desastres naturais, mas que se mantêm dentro das fronteiras do seu próprio país.

6. O que é o Dia Mundial do Refugiado?

É um dia designado pelas Nações Unidas para homenagear os refugiados em todo o mundo, que se celebra a 20 de junho, assinalando “a força e a coragem das pessoas que foram forçadas a fugir dos seus países de origem” para escapar de conflitos ou perseguições.

Segundo a ONU, o Dia Mundial do Refugiado é uma ocasião para construir empatia e compreensão pela situação e reconhecer a resiliência dos refugiados que se veem obrigados a reconstruir as suas vidas.

Foi celebrado internacionalmente pela primeira vez em 20 de junho de 2001, quando se comemorava o 50º. aniversário da Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados.

Era originalmente conhecido como Dia do Refugiado de África, mas a Assembleia Geral das Nações Unidas designou-o oficialmente como um dia internacional em dezembro de 2000.

Os maiores desafios para a questão dos refugiados: boa vontade e generosidade

Os maiores desafios no que concerne à questão dos refugiados são manter a boa vontade dos países anfitriões face ao prolongamento da guerra na Ucrânia e replicar essa generosidade noutras crises, afirmou o porta-voz do ACNUR.

Em declarações à agência Lusa, a propósito do Dia Mundial do Refugiado, que se assinala a 20 de junho, o porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), Matthew Saltmarsh, referiu que o modelo empregado pelos países de acolhimento dos refugiados ucranianos é o defendido pela agência da ONU, mas admitiu que “isso também criará desafios para esses países”.

Face à maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial, os países, sobretudo os que fazem fronteira com a Ucrânia, acolheram com agrado milhões de pessoas.

Mas “os desafios são enormes, com um número tão grande de pessoas a fugir em tão pouco tempo”, afirmou o porta-voz do ACNUR. A prioridade começa por se dar abrigo, encontrar um lugar seguro para ficar, mas “depois, as necessidades dependem de quanto tempo as pessoas podem ficar”.

A preocupação já tinha sido levantada por Victoria Lupton, presidente da associação dedicada a conflitos, refugiados e cultura árabe Seenaryo, quando defendeu que a grande crise de refugiados da década passada – a dos sírios – deve ser observada para que os mesmos erros não sejam cometidos.

“A primeira coisa que os países anfitriões têm de se lembrar é que a maioria dos refugiados permanece refugiada por muito tempo. Globalmente, a duração média do deslocamento é de 20 anos. Embora as campanhas gerais e os financiamentos coletivos de emergência sejam valiosos, o trabalho menos glamoroso é muito mais lento”, opinou.

“As tensões vão-se acumulando ao longo do tempo. Apesar de toda a generosidade inspiradora dos polacos para com os ucranianos, vão surgir tensões, principalmente porque as duas nações partilham um passado turbulento”, alertou.

Um segundo desafio é que, apesar de a vaga de refugiados da Ucrânia ser atualmente a mais premente e a maior do mundo, há muitas outras crises de refugiados no mundo.

Temos “muitas outras crises de refugiados, que não são tão generosamente financiadas, mas que têm necessidades enormes”, disse o porta-voz do ACNUR.

“Apesar da tragédia [da invasão da Rússia à Ucrânia e consequente desenvolvimento de uma guerra], foi animador ver a solidariedade inigualável demonstrada aos refugiados ucranianos em toda a Europa e no mundo”, observou Matthew Saltmarsh.

“As fronteiras foram mantidas abertas e a União Europeia tomou medidas sem precedentes ao ativar, pela primeira vez, a diretiva de Proteção Temporária, garantindo o acesso à proteção e aos direitos dos refugiados da Ucrânia”, considerou.

“Achamos que este é um passo positivo”, garantiu, considerando que “quando os países trabalham juntos, muito pode ser alcançado”. Agora, sublinhou, “é preciso ver essa responsabilidade e solidariedade estendidas àqueles que fogem da perseguição e da violência em todo o mundo”.

É imprescindível lembrar outras situações, adiantou ainda, nomeando outros países regionais e vizinhos dos afetados por conflitos e instabilidade que acolheram refugiados em grande número, “salvando milhões de vidas”.

Países vizinhos da Síria, incluindo Turquia, Líbano, Jordânia e Iraque, acolhem refugiados sírios há mais de uma década. O Quénia e outros países do continente africano continuam a oferecer proteção aos somalis. O Bangladesh abriga centenas de milhares de rohingyas e a Colômbia abriga mais de 1,7 milhões de venezuelanos a quem concedeu estatuto de Proteção Temporária durante 10 anos.

Com Lusa

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