"A Constituição e o Estado de direito da Bolívia foram violados, interrompendo um mandato constitucional. Forças da oposição desencadearam atos de violência, de humilhação de autoridades, de invasão, saques e incêndios de casas, de sequestros e ameaças a parentes para aplicarem um golpe de Estado e para forçarem a renúncia do Presidente Evo Morales", afirmaram, numa declaração, os líderes da esquerda latino-americana reunidos em Buenos Aires em torno do Grupo de Puebla, uma aliança progressista que reúne 32 políticos de 12 países da região.
Na reunião que durou três dias, o Grupo de Puebla passou de celebrar a liberdade do ex-Presidente Lula, na sexta-feira, e a decisão de reformar a Constituição do Presidente chileno, Sebastián Piñera, no sábado, à preocupação com a renúncia do líder boliviano, Evo Morales, no domingo.
"As recomendações da Organização dos Estados Americanos (OEA) de novas eleições foram aceites pelo Presidente Morales, inclusive com a recomendação de uma renovação completa dos órgãos eleitorais e com a possibilidade de novas candidaturas", pode ler-se na declaração do Grupo de Puebla.
"Porém, a oposição optou pela intransigência, pela radicalização e pela rotura democrática", acusam os líderes da esquerda regional, criticando, especialmente, "os comportamentos ilegais e irresponsáveis das forças policiais e das próprias Forças Armadas que acompanharam o golpe".
"O Presidente Evo Morales sempre disse que aceitaria o resultado da auditoria da OEA com caráter vinculativo. A OEA recomendou novas eleições. Esse era o caminho da democracia que foi interrompido", explicou à Lusa o brasileiro Aloízio Mercadante, ex-ministro de Lula e de Dilma Roussef, fundador do Partido dos Trabalhadores e do Grupo de Puebla.
"Passámos o fim de semana em contacto com o Presidente Evo Morales, com o 'vice' Álvaro García Linera e com a oposição para procurarmos uma saída democrática e constitucional para a Bolívia.
Essa saída eram novas eleições. Evo anunciou isso, mas não aceitaram. Queriam o golpe", contou Mercadante, para quem Morales foi mais uma vítima de um procedimento já aplicado contra o ex-Presidente paraguaio, Fernando Lugo, e contra a ex-Presidente brasileira, Dilma Rousseff, todos membros do Grupo de Puebla e destituídos dos seus cargos.
"Não é possível que um Presidente constitucional que convoca eleições seja forçado a renunciar pelas Forças Armadas. Foi renúncia forçada. O nome disso é golpe", denunciou o chileno Marco Enríquez-Ominami, fundador e coordenador do Grupo de Puebla.
Enríquez-Ominami conta que vários dirigentes políticos bolivianos estão refugiados em embaixadas em La Paz para não serem linchados, um costume indígena aplicado a traidores e ladrões.
Na Argentina, o Presidente eleito (de centro-esquerda), Alberto Fernández, também classificou o caso como um golpe de Estado, enquanto o Presidente em exercício (de centro-direita), Mauricio Macri, optou por divulgar uma nota na qual pede para se "preservar a paz social e o diálogo, para encaminhar o período de transição pelas vias institucionais estabelecidas pela Constituição".
O eleito Alberto Fernández já tinha reconhecido a quarta reeleição de Evo Morales no dia 20 de outubro, enquanto Mauricio Macri preferia esperar que o panorama na Bolívia ficasse claro.
O ex-Presidente Lula, o Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e o Governo de Cuba também interpretaram o sucedido como um "golpe de Estado".
Já o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, relacionou a renúncia com "a fraude eleitoral".
No México, o Presidente de esquerda Andrés Manuel López Obrador ofereceu asilo político a Evo Morales.
A oferta mexicana, anunciada pelo ministro das relações Exteriores, Marcelo Ebrard, na sua conta da rede social Twitter, surge na sequência de ter recebido na embaixada do México em La Paz funcionários e deputados bolivianos.
Com Lusa