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EUA acusados de drogar crianças em centros de detenção

As crianças migrantes separadas da família na fronteira com o México estão a ser obrigadas a tomar, de forma rotineira, drogas psicotrópicas nos centros de abrigo norte-americanos. A denúncia já deu entrada num tribunal de Los Angeles, por intermédio de um grupo de defesa dos direitos humanos, que acusa os EUA de violarem a lei, ao administrar drogas a menores sem indicação clínica e sem o consentimento dos pais.

Jose Luis Gonzalez

O acordo Flores que Trump quis rasgar

O acordo extrajudicial "Flores" foi firmado em 1997 para regular as condições dos centros de acolhimento nos EUA e combater os abusos na detenção de migrantes, em especial das crianças desacompanhadas. Desde então, a lei proíbe o governo federal de manter crianças em centros de detenção por mais de 20 dias, mesmo que acompanhadas pelos pais. Nos anteriores governos norte-americanos, as famílias eram libertadas ou deportadas assim que esse prazo era ultrapassado.

"Está num centro de detenção de menores? Então está drogado!"

A frase perentória é do advogado Carlos Holguin que representa o Centro de Direitos Humanos e direito constitucional, sediado em Los Angeles, que a 16 de abril deu entrada num tribunal de Los Angeles uma ação judicial contra a administração dos EUA por violação do Acordo Flores.

A administração de drogas psicotrópicas a crianças e jovens migrantes é recorrente e está documentada em casos anteriores como no Centro Residencial de Tratamento de Shiloh, na localidade de Manvel, no estado do Texas.

A ação em tribunal cita vários testemunhos de crianças que terão sido forçadas a tomar grandes doses de medicamentos, sem indicação médica e sem o consentimento dos pais, o que viola a lei.

O problema passa, sobretudo, porque não há acesso aos registos médicos das crianças e jovens detidos nestes centros.

O caso de Shiloh e os abusos do passado

Entre os vários casos de abusos cometidos contra menores e migrantes em centros temporários nos EUA há um que se destaca pela negativa: o Centro Residencial de Tratamento de Shiloh, no Texas, já documentado em tribunal.

Uma das testemunhas identificadas por Julio Z garante que chegaram ao cúmulo de o deitarem ao chão para o imobilizar e obrigaram a tomar a medicação. Julio Z atestou ainda que, sempre que as crianças recusavam tomar as drogas, as seguranças do centro chegaram a forçar os menores a abrir a boca para inserir o medicamento. E sempre que tentava reafirmar a recusa em tomar as drogas, o médico responsável ignorava-o.

"Se recusássemos, deitavam-nos ao chão para levar injeções"

Rosa L, uma outra testemunha no processo em tribunal, garante que chegou a ser deitada ao chão por vários seguranças do centro, agarrada pelos braços e pernas e forçada a engolir a medicação pela enfermeira.

O tema tem gerado polémica nos EUA com vários casos recentes de abusos físicos e até sexuais de crianças em centros de detenção no país. A morte de pelo menos três menores nos últimos tempos obrigou as autoridades norte-americanas a rever as regras de detenção.

Os efeitos secundários adversos

As autoridades alegam problemas mentais, psicológicos e traumas para medicar estas crianças e jovens retidos nos centros de detenção temporária dos EUA, mas não dá acesso aos registos médicos dos menores.

A única forma de documentar os alegados abusos é, por isso, através de testemunhas arroladas ao processo e que falam em efeitos adversos severos, em alguns casos.

Julio Z. garante que ganhou mais de 20 quilos em cerca de dois meses. A mãe de uma outra jovem detida numa destes centros confessou em tribunal que a dose administrada era tão grande que a filha já não conseguia andar e muitas vezes colapsava.

A faca de dois gumes: denunciar abusos pode por em causa ajuda às crianças

A questão levanta outras pontas soltas: desde logo a ajuda que está a ser prestada a estas crianças migrantes, separadas das famílias apenas por terem passado a fronteira.

Só nos últimos quatro anos pelo menos três crianças morreram em centros como este, sem razão aparente. Os abusos estão documentados em tribunal e incluem abusos físicos, mentais e até sexuais em centros que receberam mais de mil milhões de euros de financiamento.

Os grupos de defesa dos direitos humanos admitem, por isso, a encruzilhada: a par do dever moral e criminal de denunciar os abusos, combater as irregularidades e defender os menores e as famílias migrantes a abordagem pode comprometer o funcionamento destes centros e por em risco a única ajuda que estas pessoas têm em solo norte-americano.

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