Uma investigação conduzida pela Amnistia Internacional (AI) nos últimos dois anos revela a forma como "as autoridades restringem de forma severa praticamente todos os aspetos da vida dos rohingyas no Estado de Rakhine e como os confinam ao que constitui uma existência de gueto, na qual têm de lutar para aceder a assistência médica, educação e, nalgumas regiões, até para sair das próprias aldeias. A situação atual cumpre todos os requisitos da definição legal do crime contra a humanidade que é o apartheid", indica o relatório.
"Numa jaula sem teto - Apartheid no Estado de Rakhine em Myanmar", divulgado hoje pela organização não-governamental (ONG) para os direitos humanos, com sede em Nova Iorque.De acordo com Anna Neistat, diretora de investigação da AI, "as autoridades de Myanmar estão a manter segregadas e intimidadas as mulheres, os homens e as crianças rohingya num sistema desumanizante de apartheid", no qual os seus "direitos são violados diariamente".
Neistat sublinha que "a repressão tem vindo a agravar-se nos últimos anos", em especial no decorrer de uma recente vaga de violência na qual "as forças de segurança de Myanmar mataram rohingyas, queimaram aldeias inteiras e levaram mais de 600 mil pessoas a fugir pela fronteira para o Bangladesh. Este sistema foi desenhado para tornar a vida dos rohingyas o mais humilhante e desesperado possível. A brutal campanha de limpeza étnica das forças de segurança nos últimos três meses é só mais uma manifestação extrema desta atitude repugnante", escreve a AI no relatório.
A ONG recorda que os rohingya têm vindo a enfrentar "discriminação sistemática e patrocinada pelo governo desde há décadas", mas sublinha que "a repressão deste tipo intensificou-se drasticamente desde 2012", quando a violência entre as comunidades budista e muçulmana se alastrou a todo o Estado de Rakhine: "Os rohingya no Estado de Rakhine estão, basicamente, isolados do mundo exterior e enfrentam fortes restrições à sua liberdade de movimento, que os confinam às suas aldeias e vilas. Estas restrições são aplicadas através de uma intrincada rede de leis nacionais, "ordenamento local" e políticas aplicadas por responsáveis estatais que demonstram abertamente um comportamento racista", adianta a Amnistia.
A crise dos rohingya estalou em 25 de agosto após um ataque de um grupo rebelde daquela minoria muçulmana contra instalações policiais no estado de Rakhine, no oeste da Birmânia, que foi seguido de uma vasta ofensiva militar, que fez pelo menos 400 mortos. O governo birmanês assegurou que a violência foi desencadeada por "terroristas rohingya", mas o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos classificou a operação militar como "limpeza étnica".
Antes da campanha militar, os rohingya que habitavam no estado de Rakhine eram estimados em um milhão. Um relatório da organização não-governamental de defesa dos Direitos Humanos Amnistia Internacional (AI) considerou que as autoridades da Birmânia estão a aplicar um sistema comparável ao 'apartheid' ao povo rohingya no estado de Rakhine, descrito como uma "prisão a céu aberto" onde acontece todo o tipo de atrocidades.
O regulamento em vigor no Estado de Rakhine exige que os "estrangeiros" e as pessoas "de raça Bengali, um termo pejorativo para os rohingya", tenham uma autorização especial para viajar entre as principais vilas e, em alguns locais no norte do Estado, até de aldeia para aldeia. Noutras zonas do centro do Estado, os rohingya são mantidos presos nas suas aldeias e campos de deslocados. Em alguns locais não estão autorizados a usar as estradas, estando limitados a viajar por rio e apenas de e para outras aldeias muçulmanas, relata a AI. Aqueles que conseguem obter autorização para viajar são "constantemente ameaçados, molestados, forçados a pagar subornos, fisicamente atacados ou detidos".
De acordo com a Convenção Internacional sobre a Supressão e Punição do Crime de Apartheid e com o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, o apartheid é definido como um crime contra a humanidade que abrange um vasto leque de atos, cometido no contexto de um regime institucionalizado de opressão sistemática e domínio de um grupo racial sobre qualquer outro grupo ou grupos, com a intenção de manter esse próprio regime.
Os atos específicos cometidos neste contexto vão desde a violência física direta dos assassínios, das violações e da tortura até aos atos administrativos e legislativos desenhados para impedir um povo ou etnia de participar politicamente, socialmente e economicamente na vida de um país: "O Estado de Rakhine é uma cena de crime. Este já era o caso antes da horrorosa campanha militar de violência dos últimos três meses. Este sistema abjeto de discriminação e segregação está em todos os aspetos da vida dos rohingyas e, caso não sejam tomadas medidas imediatas para o desmantelar, vai manter-se muito para lá do fim da campanha militar", salientou Anna Neistat.
Crise dos rohingya invocada por vários países em fórum ministerial Ásia-Europa
A crise dos rohingya foi abordada por vários participantes da 13.ª conferência ministerial do fórum de cooperação Ásia-Europa (ASEM) invocaram a crise das centenas de milhares de rohingya que fugiram da Birmânia para o Bangladesh, indicaram hoje fontes diplomáticas à agência noticiosa espanhola Efe.
Bangladesh, Malásia e Indonésia figuram entre os países que destacaram no plenário a necessidade de se aplicar a recomendação da ONU para tratar do regresso dos deslocados da Birmânia através de um processo de negociação entre os governos de Daca e Naypyidaw. Esses três países, de maioria muçulmana, credo que professam os rohingya, referiram-se aos refugiados como "deslocados" sem os identificar como membros daquela minoria perseguida na Birmânia, cujas autoridades não reconhecem como cidadãos do país.
A chefe da diplomacia da UE, Federica Mogherini, que assiste à conferência, emitiu na segunda-feira um comunicado em que também expressa o seu apoio à recomendação da ONU para canalizar um "regresso seguro" dos refugiados ao seu país de origem. No texto, Mogherini pede o restabelecimento na Birmânia do "império da lei e a sua aplicação não-discriminatória".
A crise dos rohingya não vai constar, no entanto, da declaração final da reunião -- em que se encontram representados 51 países, que termina hoje, devido à oposição da Birmânia, que acolhe o fórum ministerial, de acordo com as fontes citadas pela Efe.
Lusa