Se estava a planear umas férias na neve, num país da Europa, 2023 não será um bom ano. Nos países da Europa ocidental, os termómetros têm atingido valores bem acima do que é comum e suposto para a época de inverno. Em oito países foi até batido o recorde nacional.
Nos primeiros dias do ano, os Países Baixos, o Liechtenstein, a Lituânia, a Letónia, a República Checa, a Polónia, a Dinamarca e a Bielorrússia quebraram recordes nacionais de temperatura. Também na Alemanha, França e Ucrânia foram registados máximos em algumas estações meteorológicas.
Na cidade espanhola de Bilbau, por exemplo, as temperaturas no primeiro dia do ano chegaram aos 25,1ºC – uma temperatura mais típica do mês de julho do que de janeiro. Na Roménia, o calor surpreendeu a população e houve até quem tenha decidido dar um mergulho.
Em Varsóvia, capital da Polónia, a temperatura registada ultrapassou em 4ºC o recorde anterior. Na Bielorrússia os termómetros chegaram aos 16,4ºC, mais 4.5ºC que o máximo registado. Também na Suíça foram sentidos 20ºC, uma temperatura que afetou a quantidade de neve nos resorts de ski.
Por outro lado, as temperaturas registadas em partes da Escandinávia e na Rússia são bastantes mais frias. Espera-se que possam até chegar aos -20ºC este fim de semana.
O que está a causar as elevadas temperaturas no pico do inverno?
Os valores de temperatura são influenciados pela origem da massa de ar que chega a uma determinada região. Ou seja, se o vento empurra o ar frio até uma determinada região, espera-se que os termómetros desçam; mas se a massa de ar que é transportada for quente, deverão ser sentidas temperaturas mais altas. Durante o inverno, a Europa ocidental costuma ser influenciada pelo ar frio que vem dos anticiclones da Sibéria ou da Escandinávia, contudo, este ano, a massa de ar está a vir do Atlântico.
"O que acontece neste momento na Europa ocidental é que, devido à disposição destes sistemas – em particular do anticiclone dos Açores, que está muito perto do continente europeu –, estamos a receber na Europa ocidental ar que vem do Atlântico”, explica à SIC Notícias Pedro Miranda, professor de meteorologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e diretor do Instituto Dom Luiz.
O especialista sublinha que estas anomalias de temperatura também estão relacionadas com as alterações climáticas e com o sucessivo aquecimento do mundo. É precisamente o aquecimento que “vai perturbar a posição típica destes sistemas de pressão”, acabando por alterar também a direção e intensidade do vento, “que responde à pressão”.
“A distribuição de pressão responde ao aquecimento do mundo. Nós tínhamos ações típicas ao longo do inverno: estes anticiclones continentais muito bem estabilizados e uma circulação em torno dos polos relativamente simples. O que acontece nos últimos anos é que essas circulações têm vindo a ser perturbadas. O transporte de ar entre as latitudes mais baixas e as latitudes mais altas tem mudado bastante”, explica Pedro Miranda.
Estas alterações podem levar zonas tipicamente frias a registar recordes de calor – como estamos a ver agora na Europa ocidental – ou zonas com climas mais amenos a ultrapassarem ondas de frio – por exemplo, o que acontece no estado norte-americano da Florida.
Pedro Miranda alerta que o mundo está a caminho de “bater recordes uns atrás dos outros”. A emissão de gases com efeitos de estufa para a atmosfera e a consequente subida de temperatura média global são os principais fatores que transformam o que antes era anómalo no novo normal.
“O nosso normal vai ser pior do que isto, porque [o mundo] vai continuar a aquecer. Enquanto não houver uma alteração relevante das emissões de gases de estufa, não vamos parar. Tudo depende de onde nós fizermos essa estabilização”, alerta, sublinhando que “quanto mais tarde estabilizarmos, pior vai ser esse normal – mais quente e, se calhar, mais instável”.
Influência Atlântica faz com que Portugal tenha invernos mais amenos
Em Portugal, o inverno de 2022/2023 também se tem manifestado bastante ameno. Apesar das fortes chuvas que atingiram o país, provocando inundações em diferentes regiões, o mês de dezembro registou temperaturas elevadas para a época.
O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) explica à SIC Notícias que as temperaturas elevadas durante o último mês do ano ficaram “a dever-se ao fluxo sobre Portugal Continental, que foi predominantemente de oeste e sudoeste, com advecção de massas de ar quente e com elevado conteúdo de vapor de água”. Esse posicionamento fez com “as massas de ar com origem em latitudes inferiores atingissem o território nacional”.
Ao contrário do que se passa na Europa Ocidental, o novo ano trouxe uma descida de temperaturas mínimas e máximas em Portugal, mas não em todo o território. Enquanto as zonas norte e centro se encontram um pouco “abaixo do normal”, no sul as temperaturas “estão ligeiramente acima do normal”.
“Para a segunda semana espera-se um aumento das temperaturas” que irá colocar os termómetros entre 2ºC a 4ºC “acima do normal para a época”, prevê o IPMA.
Também Pedro Miranda destaca que o inverno deste ano tem apresentado “temperaturas bastante amenas”, mas acrescenta que o que é considerado “anómalo em Portugal" é que a estação seja influenciada por massa de ar continental europeu e, por conseguinte, mais frias.
“Como estamos muito próximos da costa, em geral, estamos sob a influência Atlântica. Em Portugal temos um inverno bastante ameno e a razão é essa: raramente temos ar vindo do interior da Eurásia ou da Escandinávia. Quando isso acontece temos uma onda de frio, neste momento não está prevista.”