TAP: o futuro e as polémicas

Frederico Pinheiro, ex-assessor de Galamba, ouvido na comissão de inquérito à TAP

Chegou o dia de Frederico Pinheiro ir à comissão de inquérito à TAP. Foram feitos esclarecimentos sobre o que se passou no Ministério de Infraestruturas relativamente às notas da reuniões prévias com a ex-CEO da TAP e, também, com a intervenção do SIS no dia 26 de abril devido ao alegado roubo de um computador do Estado.

Maria Madalena Freire

SIC Notícias

O ex-adjunto Frederico Pinheiro foi ouvido esta quarta-feira na comissão de inquérito à TAP e revelou que, na sua versão, o Ministério das Infraestruturas quis ocultar notas das reuniões prévias com a ex-CEO onde se combinou respostas para a audição, "difamou" o seu nome ao mentir sobre as agressões no ministério, abusou do poder do Estado ao ter enviado o SIS para o intimidar e que Galamba o ameaçou fisicamente.

No arrancar da comissão de inquérito, Frederico Pinheiro faz as suas declarações inicias, antes das perguntas dos deputados dos partidos políticos da Assembleia da República.

“Fui alvo da poderosa máquina de comunicação do Governo”

O motivo apresentado pelo ex-adjunto para se apresentar à comissão é que não deixará que “destruam” o seu bom nome.

O objetivo de Frederico Pinheiro é defender os factos e tem orgulho no trabalho que executou no Ministério das Infraestruturas, nomeadamente na reestruturação da companhia aérea.

“Do primeiro ao último dia cumpri sempre as minhas funções de forma empenhada e leal, fui rigoroso e trabalhador, leal nas diligências efetuadas para o Ministério das Infraestruturas e sempre que trabalhei na articulação do Governo e o grupo parlamentar do PS”, esclarece.

Da mesma forma, o ex-adjunto esclarece que “nunca” sonegou ou omitiu "informação".

Apesar da sua lealdade demonstrada, Frederico Pinheiro diz que “viu tudo isto mudar num ápice”.

“Nas últimas semanas fui alvo de um tratamento público insultuoso, difamatório e deplorável. Enquanto cidadão anónimo, sem poder de decisão, fui ameaçado pelo SIS, fui injuriado pelo primeiro-ministro e o ministro das Infraestruturas e fui alvo de uma campanha montada pela poderosa máquina de comunicação do Governo que procurou contar uma narrativa falsa pelos factos ocorridos”, admite.

Notas escondidas, Whatsapp apagado

O ex-adjunto inicia por fazer a cronologia dos acontecimentos até abril, começando pelas reuniões prévias à audição de Christine Ourmières-Widener a 18 de janeiro de 2023.

O grupo parlamentar do PS sugeriu, perante a marcação desta audição, uma reunião prévia com o Ministério das Infraestruturas, conforme achasse pertinente. O ministério mostrou-se disponível, através de um e-mail enviado por Frederico Pinheiro e a reunião dá-se a 17 de janeiro.

No entanto, no dia 16 de janeiro realiza-se uma reunião preparatória entre João Galamba, a ex-CEO e o próprio adjunto.

“Nessa reunião participei com o meu computador em cima da mesa de reuniões e tirei notas sobre os principais pontos abordados. Desde que iniciei funções com o Governo que tiro notas sempre que há reuniões com entidades externas. Tenho registo de centenas de reuniões", explica.

Por isto, “é inverosímil achar-se que não tinha notas de uma reunião tão importante como a que está em causa”, acrescenta Frederico Pinheiro.

Nessa mesma reunião, o ex-adjunto revela que o ministro das Infraestruturas convidou a ex-CEO a participar no dia seguinte numa reunião preparatória da audição parlamentar com o grupo parlamentar do PS, como revela no seu comunicado.

Na tarde de 16 de janeiro, a ex-CEO informa que quer participar e Frederico Pinheiro pergunta por Whatsapp a João Galamba se tal pode acontecer, ao qual o ministro responde “pode”.

Nessa reunião de dia 17, Frederico Pinheiro revela à comissão que tirou notas, mesmo com “gralhas e abreviaturas”.

Conforme diz o comunicado do ex-adjunto, quando a ex-CEO revelou, já numa segunda audição em abril, que tinha havido uma reunião preparatória para a primeira audição de janeiro, o ministro das Infraestruturas convocou uma reunião a 5 de abril, na qual o “ambiente era tenso”.

Nessa reunião do gabinete das Infraestruturas, o ex-adjunto revela que tomou notas das reuniões de 16 e 17 de janeiro, da ex-CEO com Galamba e PS, respetivamente.

“Em momento algum me foram solicitadas as notas, sendo certo que sabiam da sua existência”, informa.

Segundo o ex-adjunto, Eugénia Correia, “que pareceu desconhecer a existência da reunião entre Galamba e a ex-CEO”, indicou “claramente” na reunião do gabinete que não seria revelada a existência dessa reunião. Da mesma forma, em caso de requerimento da CPI, a doutora Eugénia esclareceu a Frederico que as notas não seriam reveladas.

Apesar disto, a 6 de abril, Eugénia Correia pede que Frederico junte todas as outras informações possíveis sobre as reuniões prévias, conforme o requerimento da comissão de inquérito à TAP ao ministério.

No entanto, Frederico Pinheiro não tinha quase nenhuma informação, tendo em conta que a ex-CEO tinha ativa a opção no Whatsapp das mensagens serem apagadas uma semana após enviadas.

Com isto, foi feita uma intervenção no telemóvel de Frederico Pinheiro para recuperar essas comunicações, porém resultou, sem explicação, “num apagão total de todo o arquivo” do seu Whatsapp.

“Havia intenção de omitir informação numa clara tentativa de desresponsabilização política”, conclui.

"Nunca antes um superior tinha falado comigo daquela forma”

Perto do fim de abril, e após o comunicado do ministério ter revelado o nome do então adjunto, Frederico Pinheiro alerta o gabinete que poderá ser chamado à comissão de inquérito e que, aí, terá de cumprir a verdade e comunicar as notas que tirou - e que diz que tentaram ocultar.

Tendo isto em conta, foi a primeira vez que pediram ao adjunto para enviar as notas ao gabinete. No entanto, num e-mail que foi mal entendido pelo adjunto, achando que o assunto da informação à CPI estava encerrado, e estando afastado do telemóvel muito tempo, Frederico Pinheiro acabou por não enviar a informação que achava que era pertinente.

“A engenheira Cátia Rosas ligou-me três vezes e informou que houve um prorrogação do prazo para responder à comissão para as 9:30 da manhã de 26 de abril”, detalha.

Nisto, Frederico Pinheiro acordou enviar as informações que achava pertinentes no fim do dia 25 de abril.

Na madrugada de 25 de abril recebeu duas mensagens, uma delas de João Galamba, que só verificou ao início da tarde, que exigiam as informações para responder ao requerimento da CPI. Por motivos pessoais, só conseguiu responder horas depois.

Essa resposta foi a já revelada por Whatsapp, em que pede a revisão da decisão de não entregar as notas à CPI.

Na chamada com Eugénia Correia perto das 15:00, esta pede “insistentemente” que envie as notas, algo que Frederico Pinheiro disse que faria ao final do dia, tendo em conta que não estavam na sua posse no momento.

O ministro das Infraestruturas liga a Frederico Pinheiro três vezes enquanto este participa no desfile do 25 de Abril com os seus filhos, conforme relata.

“Fiquei extremamente perturbado pela forma desrespeitosa com que o senhor ministro falou comigo, nunca antes um superior tinha falado comigo daquela forma”, esclarece Frederico Pinheiro.

As notas foram enviadas dentro do prazo combinado, como comunica o ex-adjunto na comissão.

“Não agredi ninguém, não roubei”

O ex-adjunto revela que no dia 26 de abril foi escoltado do Ministério das Infraestruturas por agentes da PSP que o próprio chamou e que, em casa, copiou a informação que tinha no seu computador, sendo pessoal, ou profissional, como notas de reuniões em que teria participado.

No entanto, foi-lhe retirado o acesso ao seu e-mail e telemóvel, já tendo requisitado o acesso aos mesmos há três semanas e ainda não obteve respostas.

“Toda a coação e abuso de poder a que fui sujeito pelos meios do Estado usados pelo Governo de forma desproporcionada, desnecessária e ilegal foi dirigida exclusivamente para o computador. Porquê? Porque era no computador que guardava as notas sobre todas as reuniões em que participava ou ainda porque o objetivo do Governo não era a salvaguarda de informação classificada mas a ameaça a um cidadão sem qualquer poder político”, explica, acrescentando que um telemóvel também é um minicomputador, mas que não teve tanta atenção como o computador.

Frederico Pinheiro esclarece que o Governo fez uma campanha para “afetar” a sua honra perante o país. No dia 26 de abril às 20:40 foi despedido pelo ministro João Galamba, numa chamada de pouco mais de um minuto.

“Queria reafirmar que estão a ser espalhadas mentiras sobre o que aconteceu naquela noite [de 26 de abril]. Não agredi ninguém, apenas me libertei em legitima defesa de quatro pessoas que me agarraram e tentaram tirar a mochila. Fui eu que chamei a polícia, não roubei, furtei ou fugi com o computador, não parti nenhum vidro do Ministério com a minha bicicleta”, esclarece.

“Fui ameaçado pelo SIS”

Após a longa e extensa declaração inicial, Frederico Pinheiro prepara-se para responder às questões dos deputados dos partidos políticos.

Na estreia do líder do Chega, André Ventura, Frederico Pinheiro é pedido para revelar se agrediu alguém na noite de 26 de abril no Ministério das Infraestruturas.

O ex-adjunto detalha que foi agarrado, empurrado e trancado no edifício e que ele próprio chamou a PSP às 21:00.

“Sou o agredido e não o agressor e tenho um relatório médico que descreve os ferimentos que me provocaram”, revela.

Ao ter sido trancado no ministério e com as constantes enunciações de “sequestro” por parte de Frederico Pinheiro, André Ventura revela que sequestrar é um crime público e que a CPI deveria dar a conhecer ao Ministério Público para ser instaurado um processo judicial.

Para além disso, Ventura questiona se, quando Frederico foi despedido por João Galamba, sem documento de exoneração, houve alguma ameaça de agressão física como “se tivesse ao pé de ti dava-te dois socos”, ao qual o ex-adjunto revela apenas que “sim, foi isso que aconteceu”.

Apesar do acautelamento de Lacerda Sales, presidente da comissão inquérito, sobre as funcionalidades do SIS e a sua operacionalidade interna, Frederico Pinheiro responde a André Ventura que no dia 26 de abril fez conhecer ao agente do SIS que poderia estar a extravasar os seus poderes.

“Nesse momento, o agente refere que está a ser muito pressionado de cima, que eu sei que há informação classificada no computador e o melhor é resolver a bem, porque senão pode-se complicar. Esta ameaça é repetida várias vezes”, expõe.

Para além disto, Frederico Pinheiro que se sentia ameaçado pelo SIS, quis ser acompanhado por uma familiar que é procuradora-geral, ao qual o agente das secretas discordou, pedindo que fossem apenas os dois nessa entrega do computador.

No que diz respeito à classificação dos documentos no computador do ex-adjunto, Frederico Pinheiro esclarece que “foram classificados após requerimento da comissão”.

Da mesma forma, o ex-adjunto revela que os documentos classificados também estavam no telemóvel, sendo que o único interesse do Governo em resgatar o computador era para obter as notas das reuniões prévias, sendo o único documento que não estava outro dispositivo.

Já em resposta a Bernardo Blanco, da Iniciativa Liberal, o ex-adjunto volta a reforçar que não houve preocupação com a segurança da informação classificada “porque essa não estava em risco”.

“A informação estava armazenada em múltiplos suportes físicos digitais, portanto o que posso concluir é que toda esta intervenção de ativação de meios do Estado como o SIS porque já me tinha voluntariado para entregar o computador e telemóvel é desproporcional e ineficaz”, explica Frederico Pinheiro.

Perguntas e respostas combinadas

Voltando às notas, Frederico Pinheiro revela, ainda no tempo da Iniciativa Liberal, que na reunião prévia entre o grupo parlamentar do PS e a ex-CEO houve, de facto, acordo de perguntas e respostas.

“O senhor deputado Carlos Pereira descreveu que perguntas ia efetuar e a senhora engenheira Christine mostrou as respostas que daria em relação aquelas perguntas e revelou o seu plano comunicacional”, expõe, acrescentando que o Ministério tinha solicitado que reforçasse os resultados positivos obtidos pela TAP em “detrimento de outros assuntos mais polémicos”.

Choque com o primeiro-ministro

O deputado do PSD ainda questionou Frederico Pinheiro, após todas as suas declarações que vão contra o que foi revelado pelo ministro das Infraestruturas e dito pelo primeiro-ministro se tem intenções de repor a sua dignidade perante a lei, depois das injúrias de que foi alvo.

O ex-adjunto revela que ficou chocado com as declarações do primeiro-ministro, mas que comunicou à PSP que só queria deixar “tudo para trás”.

“A minha intenção sempre foi deixar todo o sucedido para trás e foi isso que disse à PSP quando perguntaram se queria apresentar uma participação. As declarações do ministro e do primeiro-ministro deixaram-me absolutamente chocado, depois da bizarria do que aconteceu no Ministério das Infraestruturas, foi um choque tremendo ouvir principalmente as declarações do senhor primeiro ministro”, admite.

O telemóvel entregue à PJ

“Eu pedi ao ministério para efetuar um agendamento para entrega do telemóvel, estou à espera que me responda. O telemóvel foi formatado por mim e continha informação classificada”, esclarece.

Tendo isto em conta, o deputado André Ventura sugere que o ex-adjunto considere entregá-lo à comissão, dado que não pode estar na posse do Ministério das Infraestruturas.

No entanto, Lacerda Sales intervém dizendo que não compete à comissão estar na posse do telemóvel mas que, se o ex-adjunto assim o desejar, poderá entregar à Polícia Judiciária.

“De acordo, senhor deputado”, responde Frederico Pinheiro e, por isso, o telemóvel irá ser entregue à PJ e não ao ministério.

Desmentido das assessoras

Muitas destas declarações feitas por Frederico Pinheiro já foram desmentidas pelas assessoras do ministro das Infraestruturas, em comunicado.

Cinco elementos do gabinete acusaram o ex-adjunto de mentir à comissão de inquérito à TAP, reiterando que foram agredidas duas pessoas em 26 de abril e que a videovigilância mostrará o "estado de cólera" de Frederico Pinheiro.

Esta quinta-feira, a comissão parlamentar de inquérito recebe João Galamba que irá dar a sua versão dos acontecimentos, que já esclareceu brevemente numa conferência de imprensa no fim de abril.

Últimas