Aos quatro anos, estava na praia quando os pais começaram a dar palpites sobre o que seria no futuro. Entre as várias coisas, o pai disse que Rui seria historiador, porque sabia que a mãe gostava muito de História.
“Perguntei o que é que era e disseram-me que era saber das coisas do passado. Desde essa altura que, como ideia fixa, queria ser historiador”, confessou numa entrevista em 2010, ao jornal Público.
Entre a infância e a vida adulta, a perceção sobre o trabalho de um historiador evoluiu. Afinal, um historiador não olha apenas para o passado, “é alguém interessado pela mudança”. Licenciou-se em História da Arte, pela Universidade Nova de Lisboa, e doutorou-se em História pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris. Chegou a dar aulas numa universidade, mas ao fim de dois anos a recibos verdes “mandavam-nos dar uma volta”.
Nasceu em Lisboa, a 29 de julho de 1972, ainda no período do Estado Novo, e passou a infância na Arrifana, no Ribatejo.
“Grande parte das minhas raízes está lá, apesar de ser muito lisboeta. É uma aldeia ferozmente independente, é quase uma ilha num planalto onde as estradas que chegavam lá, ficavam lá”, disse numa entrevista.
O pai era bancário e pastor de vez em quando, enquanto a mãe estava em casa a cuidar dos filhos. Nenhum dos pais tinha muitos estudos, mas a mãe sempre gostou de ler.
A família “às vezes tinha pouquíssimo dinheiro”, mas conseguia sempre comprar os livros, mesmo que não fossem essenciais.
biografia escrita pelo próprioO primeiro conflito político onde esteve envolvido viria a acontecer em 2011, quando houve “divergências” em relação a uma moção de censura que o Bloco de Esquerda apresentou. “Apresentei-as numa crónica, que me vinculava unicamente, conforme o previsto no meu compromisso com o BE. Surgiu, depois, o episódio em que fui atingido na minha dignidade profissional, pelo que pedi a retratação, que não veio, criando uma situação inaceitável para qualquer pessoa”, explicou numa entrevista à Notícias Magazine.
Em 2011, acusou Francisco Louçã, na altura coordenador dos bloquistas, de promover uma “caça ao independente” e de não conseguir lidar com opiniões contrárias. Acabou por deixar a delegação do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu.
Até 2014, ano de fundação do Livre, admite ter rejeitado três vezes convites do Partido Socialista para continuar no Parlamento Europeu. “Para fazer o Livre rejeitei alguns dos cargos mais desejados da política nacional”, contou à Notícias Magazine.
Foi pai, pela primeira vez, aos 45 anos, de Elias e depois de Helena, com uma diferença de idades inferior a um ano e meio.
Livre no meio da esquerda
A 19 de março desse ano, o Livre foi legalizado pelo Tribunal Constitucional, com a liberdade, igualdade, solidariedade, socialismo, ecologia e europeísmo como princípios fundadores. Não quis ser o militante número 1 do partido. Aliás, o número que aparece no seu cartão de militante é superior a 150.
O Livre distingue-se dos outros partidos pela forma como se organiza internamente. O partido utiliza o método das primárias na escolha dos representantes em cargos de eleição. Qualquer cidadão pode inscrever-se para concorrer ou votar no representante do partido, desde que assine a carta de princípios do Livre.
No ano da fundação, o partido apresentou-se às eleições europeias, com Rui Tavares a encabeçar a lista de candidatos. Apesar de não ter conseguido eleger um eurodeputado, o Livre arrecadou 2,2% dos votos (71.602 votos). Nos dois anos seguintes, realizaram-se mais duas eleições – legislativas e presidenciais – em que o Livre esteve presente.
Em 2015, perdeu força em relação às europeias e alcançou apenas 0,73% (39.340 votos). Já nas presidenciais, o partido da papoila decidiu apoiar o candidato socialista, Sampaio da Nóvoa.
O salto deu-se nas eleições legislavas de 2019, onde o Livre elegeu a sua primeira deputada, Joacine Katar Moreira, com 1,09% dos votos. O segundo conflito político de Rui Tavares estava prestes a despoletar.
Em novembro desse ano, menos de dois meses depois de ter sido eleita, Joacine absteve-se num voto de condenação proposto pelo PCP sobre o conflito Israel-Palestina. Um dia depois, a direção do Livre publicou um comunicado a demarcar-se do voto da deputada única, mostrando “preocupação”, uma vez que o voto entrava em conflito com programa eleitoral do Livre. Joacine retorquiu, apontando dificuldades de comunicação com a direção do partido.
Durante os dias seguintes, Rui Tavares e Katar Moreira trocaram palavras duras, com a deputada a acusar o partido de lhe estar a preparar um golpe. Em fevereiro, Joacine deixou o Livre, alegando que tinha perdido a confiança política do partido. Menos de quatro meses depois de ter conseguido um lugar no hemiciclo, o Livre deixou de ter representação parlamentar e Joacine passou a deputada não inscrita.
Seguiram-se as presidenciais de 2021, em que o Livre decidiu apoiar Ana Gomes na sua candidatura como independente à Presidência da República, e as autárquicas, onde Rui Tavares foi eleito vereador sem pelouros da Câmara Municipal de Lisboa pela coligação Mais Lisboa (PS/Livre).
Rui Tavares: o escolhido para liderar a candidatura
Depois de, em 2019, não ter sido candidato pelo Livre – ficou como mandatário nacional -, Rui Tavares foi o candidato escolhido pelo partido para as legislativas de 2022. Na dianteira de um partido que procura convergências, Rui Tavares trouxe para cima da mesa a ideia de uma “eco-geringonça”, na qual Livre, PAN e PEV se juntam ao PS para a maioria parlamentar.
A postura nos debates surpreendeu e foi elogiada por vários comentadores e analistas. Num artigo de opinião do Expresso, o escritor Bruno Vieira Amaral, caraterizou-o como “um daqueles homens demasiado inteligentes para a política e demasiado enérgicos para a inação”.
De acordo com várias sondagens, o Livre poderá conseguir um pouco mais de 1% dos votos, falhando o objetivo de ter eleger três deputados. Logo após dia 30, o partido vai convidar os partidos da esquerda para reuniões, admitiu Tavares durante a campanha. Se for eleito, não deixará de ser vereador na Câmara de Lisboa.
Como principais bandeiras para a eleição de 30 de janeiro, Rui Tavares traz o Novo Pacto Verde, ou seja, “um plano de investimento ecologicamente responsável” que utilizaria verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e da Política Agrícola Comum.
Para além disso, o partido pretende declarar a emergência climática e criar uma Task-force para a crise climática. Nos planos de Livre, constam também medidas como o aumento do salário mínimo para 1.000 euros até ao final da legislatura, a implementação das 35 horas semanais e 25 dias de férias, a despenalização e legislação da morte assistida, a legalização do consumo e venda de canábis, a possibilidade de votar a partir dos 16 anos e o teste do Rendimento Básico Incondicional.
Rui Tavares é, geralmente, uma pessoa mais noturna do que matutina e gostava que existisse um Ministério do Futuro, a pensar nas próximas geração e na transição ecológica. Percorrer o nordeste brasileiro com um mochila às costa foi a sua maior excentricidade e a comida que o conforta durante a campanha é uma tomatada com ovos escalfados, disse num entrevista à CNN Portugal. Na mala, leva sempre um livro.