Carlos Lopes acredita que o seu título olímpico mudou o desporto português, considerando que o ouro que conquistou na maratona em Los Angeles1984 abriu novos horizontes para os atletas nacionais.
“Eu transformei o desporto de uma coisa vulgar para uma coisa nacional. Porque, a partir daqui, toda a gente acreditou mais, toda a gente sentiu que era capaz de fazer coisas diferentes e para melhor“, defendeu, em entrevista à agência Lusa, em Santa Cruz (Torres Vedras).
Primeiro campeão olímpico português, Carlos Lopes acredita que o ouro que conquistou há quatro décadas fez com que o desporto nacional seja hoje “muito melhor” e “mais capaz”.
“Os jovens têm mais capacidade, têm mais talento, são mais cultos. Têm outros argumentos que a gente não tinha naquela altura. Porque abriu-se uma porta ou uma janela, digam o que quiserem, mas abriram-se de facto novos horizontes para o desporto português. Eu fui parte responsável por isso também“, sustentou.
Para o antigo atleta, o desporto antes do 25 de Abril “só tinha o nome de desporto, pois o que era bonito era a participação, não era o resultado”. “E, depois tudo se virou, e ainda bem que isto aconteceu. E dá-me prazer de dizer que eu fui o primeiro”, reforçou.
“Quem é que ganhava medalhas naquela altura? Eram os da vela, do tiro… eram pessoas da tropa, eram pessoas que tinham uma vida muito acima da média. Trabalhavam para aquilo. Agora, o outro desporto, o que era? Zero. Não havia nada. E se eu tenho falhado, continuava a zero. Felizmente, tudo correu bem”, declarou.
Prata nos 10.000 metros em Montreal1976, Lopes revela que, para si, ser finalista nunca contou “nada”.
“Correr só para participar, não. E ser só finalista, também não quero. Ou lutamos mesmo pelo primeiro lugar, ou então… Nós sabemos que não somos só nós no mundo. Nós sabemos isso. Porque o mundo é enorme. E são dois mil, quase três mil atletas, e todos lá estão pela mesma causa. Mas depois do legado que eu deixei, as pessoas têm de se convencer que vão lá é para lutar pelo melhor, pelos primeiros lugares”, advogou.
Referência incontornável no atletismo e do olimpismo nacional, o viseense, atualmente com 77 anos, diz que quem duvidar das suas capacidades “não está no ofício certo”.
“No desporto, ou se tem convicções fortes…nem sempre corre bem, mas isso faz parte do crescimento. Mesmo não correndo bem, estamos a valorizar o futuro, ao contrário daquilo que se possa pensar”, completou.
Carlos Lopes lembra ainda que, com o seu título olímpico, surgiu a perceção de que Portugal era um país “pequenino” a nível desportivo. “Nós somos pequeninos porque vivemos num cinismo sistemático. Porque nós podíamos ser um país de grande potencial. Temos potencialidade, mas não se deixa desenvolver. Não querem. Dá jeito”, argumentou, ‘responsabilizando’ os sucessivos governos: “Os nossos políticos, quando há medalhas, aparecem todos. Passado uma semana, já toda a gente se esqueceu. E estão à espera mais quatro anos”.
O campeão olímpico da maratona de LosAngeles1984 considera que “ninguém vê o trabalho que um atleta faz”.
“Ninguém quer ver. Porque isso dá muita chatice e dá muito trabalho. São horas e horas. E se as pessoas tivessem o mínimo de paciência para perceber o que é um sacrifício de um treino de um atleta, as pessoas fugiam. E se calhar davam o tal valor”, notou.
Ainda assim, Lopes diz que “quase todos os dias”, 40 anos depois, há portugueses a agradecer pelo seu ouro olímpico.
“Eu tenho um arrependimento tremendo. Comecei tarde demais. É o único arrependimento, porque podia ter ido mais cedo a uns Jogos. Podia ter começado mais cedo e mais bem preparado. Mas, para isso, era preciso que o país também me acompanhasse, que foi aquilo que nunca fez e ainda pouco faz. Eu acho que faz pouco. Está muito melhor, mas para aquilo que os atletas olímpicos fazem, e os que trazem resultados, é pouco”, concluiu.
Apenas o ouro olímpico na maratona movia Carlos Lopes
“Recordo tanta coisa, das coisas bem feitas, das coisas mal feitas, daquilo que se passou antes, daquilo que se passou depois. Acho que foram precisos 20 anos para lá chegar, e isso foi com muitos litros de pingas de suor a percorrer a minha história, porque nada se faz sem trabalho. É preciso ter coragem, ser determinado, abdicar de muita coisa”, enumerou.
Durante a entrevista, o primeiro campeão olímpico português recordou aquele 12 de agosto de 1984 e as 02:09.21 horas que correu rumo ao ouro e que perduraram, durante 24 anos, mais concretamente até Pequim2008, como recorde dos Jogos.
“Foram dois anos e meio a preparar a maratona. E até à maratona dos Jogos, eu nunca ganhei maratona nenhuma, nem era esse o meu princípio. Porque eu, quando fui para a maratona, ou quando comecei a pensar na maratona, não fui para as maratonas comerciais, mas sim para ser campeão olímpico”, afirmou.
Depois da prata nos 10.000 metros em Montreal-1976 e da ausência em Moscovo-1980, devido a lesão, Carlos Lopes sabia bem o que queria daqueles que seriam os seus últimos Jogos.
“Eu preparei a maratona para ser campeão olímpico, que era o meu sonho. Um sonho que se tornou realidade, com muito trabalho, com muito sacrifício, e como digo, com muitos, muitos pingos de suor, que foram muitos litros de água, ao longo destes dois anos e meio. Mas que, de certa forma, valeram a pena”, confirmou.
Lembrar aquele domingo quente leva o antigo atleta do Sporting, atualmente com 77 anos, a vaguear pela memória, na qual seleciona episódios como o facto de a mulher Teresa não ter bilhete para entrar no estádio, ou de ter ludibriado a organização para aquecer fora do pavilhão destinado para esse efeito.
“A partir daqui, desenrolou-se a prova que toda a gente conhece. Quero dizer que as dificuldades foram poucas, muito poucas mesmo, dentro da competição. (…) Aquele momento de consagração… quando cheguei à meta, disse ‘fogo, esta é minha, ninguém ma tira’. É que eu cheguei ao estádio tranquilo, sozinho, com a liberdade de expulsar aquilo que eu queria. E, portanto, deu para agradecer ao público que estava presente, porque, de facto, é o momento único da vida de qualquer atleta, ainda por cima no país que foi”, relatou.
Recebido como um herói em Portugal, passou “um mês a ser homenageado”, foi convidado pelo presidente norte-americano Ronald Reagan para a Casa Branca e viu-se “obrigado a fugir para começar a treinar e para ter descanso”. “Mesmo assim andei pelos núcleos do Sporting, do Canadá, pelas Américas todas”, acrescenta.
Quatro décadas depois, o antigo atleta, nascido em Vildemoinhos (Viseu) em 18 de fevereiro de 1947, admite que estes foram 40 anos que lhe deram prazer e resultaram de uma enorme vontade de vencer, uma característica inata reforçada pela estreia em Jogos Olímpicos, em Munique-1972.
“Foram uns Jogos de conhecimento e reconhecimento. Conhecimento, porque eu aí aprendi a ser. Reconhecimento pela minha presença e aquilo que eu pensava para o futuro. Aí comecei a conhecer os melhores atletas. Ia para a bancada todos os dias, ia ver os treinos de toda a gente, desde os 100 metros à maratona. Aí foi uma abertura que me deu a perceção do que é que era preciso fazer. Aprendi muito, muito, muito. Foi aí que eu comecei a imaginar um dia ser campeão olímpico”, revelou ainda à Lusa.
Com Lusa