Tobias Baumgaertner passou três noites junto de uma colónia, até conseguir captar o momento. E uma coisa é certa: a história, que foi contada ao fotógrafo, pode até não ser exatamente fiel à verdade, mas sem dúvida que a imagem é verdadeira. O que já não podemos dizer, hoje em dia, de muito do que circula nas redes sociais, entre imagens e vídeos, fabricados através da Inteligência Artificial.
E por onde anda a verdade, que tenta desviar-se a todo o instante das rasteiras dos avanços tecnológicos, que seguem caminho a uma velocidade impressionante?
A partir de um simples texto, e em breves segundos, qualquer pessoa pode entrar numa página de Inteligência Artificial Generativa (um dos patamares mais avançados, atualmente, desta tecnologia que ainda vai no início do seu caminho) e criar imagens que são espelho quase fiel de uma possível realidade.
Em segundos, foi possível obter estas imagens, a partir de versões gratuitas destes sites. Alguns, e não são assim tantos, dão respostas e apresentam resultados que causam algum espanto. Outros, nem por isso. É fácil, em muitos casos, perceber quando se trata de um trabalho com carimbo de Inteligência Artificial.
E este é, efetivamente, um dos grandes desafios do momento, entre os tantos que nos têm vindo a ser colocados em cima da mesa do presente, tendo o futuro como linha do horizonte.
O parafuso mestre que mantém a resistência de todo o resto: a confiança
Há ano e meio, a Open AI lançou o Chat GPT e relançou o debate sobre este assunto. Há dias, a mesma empresa, na vanguarda da Inteligência Artificial, deu a conhecer o Sora, que permite criar um vídeo a partir de um simples texto. E os resultados desta plataforma, ainda em fase de teste, são impactantes.
É claro, e sem quaisquer dúvidas, que as questões que por aí andam, entre ética, perigos para as democracias, ameaças ao mundo do trabalho, são mais que legítimas e válidas. Mas há uma que pode servir de parafuso mestre que mantém a resistência de todo o resto: a confiança.
Afinal, a partir de que momento iremos passar a desconfiar de alguém que se apresenta e diz ser quem é ou de algo que é identificado como sendo a verdade de um determinado ponto ou espaço no tempo?
A dúvida anda há muito nas redes sociais. Sendo a confiança um pilar essencial em qualquer sociedade e democracia, uma pedra nesta engrenagem poderá comprometer o normal funcionamento de toda a mecânica que nos permite seguir em frente a acreditar no que temos e para onde vamos.
Uma sociedade que assenta na falta de confiança estará, irremediavelmente, colocada em risco. A Inteligência Artificial está a avançar e a dar passos cada vez maiores e mais assertivos. Mas em que momento irei saber ao certo se a declaração de um determinado político realmente disse o que disse num determinado momento?
Na última década, a desinformação comprometeu parte da dinâmica saudável e legítima em que assenta a uma democracia, e em muito a reboque das redes sociais, de fenómenos e de grupos que alimentam teorias de conspiração, conteúdos falsos, mentiras. E quase sempre, tudo isto, encaixado na bagagem do populismo.
Devemos confiar em quem sabe
Em 2014, num artigo no El Pais, o Basco Daniel Innerarity, escrevia acerca de “Alguém em quem Confiar”. O título era bastante claro, quanto ao que íamos, no percurso das palavras e das ideias. Em causa, as questões financeiras, que recentemente tinham abalado a confiança em várias instituições. E os peritos, e se deles devemos ou não depender para confiar, para acreditar.
“Encontramo-nos num momento peculiar na evolução das nossas sociedades porque muitas relações assimétricas coexistem com uma evolução que parece colocar-nos todos em pé de igualdade; A sociedade está horizontalizada e temos dificuldade em aceitar relações que consagram uma hierarquia injustificada, mas também há mais especialistas do que nunca e deles dependemos mais do que normalmente supomos”, escreve o catedrático em filosofia e política social”.
Acrescenta ainda, Innerarity: “Por um lado, todos nos consideramos igualmente competentes (e julgamos chefs, criticamos arquitetos, avaliamos os nossos professores ou doutrinamos sobre futebol), mas nunca houve tanta necessidade de treino, aconselhamento, consultoria ou livros de autoajuda. Quem tem mais capacidade de julgamento: clientes ou hoteleiros, estudantes ou professores, utilizadores ou proprietários, leitores ou críticos literários?”
Devemos confiar em que sabe. E evitar, ao máximo, cair na armadilha do efeito Dunning-Krugger. Acreditar que se sabe quando não se sabe. Ou seja, quando a pessoa é, efetivamente, ignorante não sabendo que o é e tomando decisões que podem ser perigosas e arriscadas.
O papel do jornalismo
O jornalismo pode ter aqui um papel determinante. Também a literacia tem uma função decisiva, dentro e fora das escolas. Ensinar para se saber o que é a Inteligência Artificial, por onde anda, onde está, o que pode e o que não é de certeza verdade. Saber questionar e agarrar em muitas das ferramentas existentes, apenas como pontos de partida.
De regresso a Innerarity, ao livro “Política em Tempos de Indignação”, de 2016, no qual o filósofo defende a importância dos partidos, a sua dimensão essencial, sem deixar de alertar para as receitas fáceis e soluções opacas alimentadas pelo populismo.
Nem este jornalista é da SIC, nem este microfone é da SIC, nem o Papa deu uma entrevista à SIC. Sendo que em segundos foi possível criar esta imagem. Há que confiar, mas é preciso também reforçar a confiança com os devidos mecanismos que nos fazem olhar para a estrada da informação, dando-nos as devidas indicações e ensinando-nos a passar de um lado para o outro, sem atropelos nem tropeções em mentiras e falácias.
Há uma mudança em curso a uma velocidade nunca antes vista. Dentro de poucos meses, iremos saber mais e estaremos a conhecer ainda mais. Seremos sempre melhores se soubermos o que temos em nosso redor, se a informação for fiável e fidedigna, se a confiança estiver protegida, e se da Inteligência Artificial retirarmos o que de há mais importante, esta ideia de progresso que nos irá beneficiar, acautelando riscos e aceitando desafios.
E ganhar tempo, nem que seja para ficar a observar dois pinguins abraçados, tendo como pano de fundo o silêncio de uma multidão.