Guerra Rússia-Ucrânia

Compreender o conflito (XXXVIII): horror em Bucha e teste em Odessa

Artigo de Germano Almeida, comentador SIC.

Germano Almeida

Cinco pontos para percebermos o que está a acontecer no Leste da Europa – e o que pode mudar na vida de todos nós.

1 – HORROR EM BUCHA

Investigadores ucranianos encontram mais de 400 corpos em cidades perto de Kiev. A Reuters relata que promotores ucranianos que investigam possíveis crimes de guerra cometidos pela Rússia encontraram 410 corpos em cidades próximas a Kiev.

A procuradora-geral Iryna Venedyktova disse que 140 deles foram examinados através de uma aparição na televisão no domingo. A Rússia negou as alegações de que as suas forças mataram civis na cidade de Bucha, perto de Kiev. Mas as provas são por demais evidentes. Os horrores da ocupação da Rússia estão a ficar cada vez mais claros, à medida que as forças ucranianas retomam a grande área de Kiev. As tropas ucranianas retomaram toda a região de Kiev, mas descobriram provas generalizadas do que o governo ucraniano diz serem crimes de guerra cometidos pelas forças russas. Isso inclui vários corpos encontrados nas ruas, evidências de assassinatos de civis, valas comuns e crianças assassinadas.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskiy, e várias outras autoridades acusaram as tropas russas de deixar para trás minas e outros explosivos na retirada da região de Kiev. Em Irpin, as equipas encontraram 643 objetos explosivos. Imagens enviadas por agências de notícias mostram cenas de devastação na cidade recém-libertada cidade de Bucha, que está fortemente destruída. Os corpos de pelo menos 20 homens em trajes civis, um dos quais com as mãos amarradas, foram encontrados numa única rua.

2 – ODESSA É O PRÓXIMO TESTE

Várias explosões foram registadas este domingo em Odessa, maior cidade portuária e terceira maior cidade da Ucrânia, a seguir a Kiev e Karkhiv. Relatos apontam para que este ponto fundamental que fecha o corredor sul está a ser atacado pelos russos, com indicações de que terão nas últimas horas seis explosões num depósito de combustível, perto de uma ferrovia. Já tinha havido sinais de movimentação de drones nos céus da área nos últimos dois dias. Pelo menos uma segunda explosão, menos intensa, foi ouvida enquanto os bombeiros tentavam controlar as chamas. Não há ainda confirmação sobre possíveis vítimas.

A cidade de Odessa é de importância estratégica, uma vez que tem o maior porto do país e dá acesso ao Mar Negro. Será um eixo fundamental no objetivo russo de fechar o corredor sul e poder pensar em avançar para a Moldávia.

3 – ZELENSKY ENTRE O OTIMISMO E OS AVISOS

Zelensky garante que a Rús.sia pretende “capturar tanto o Donbass quanto o sul da Ucrânia”. O Presidente ucraniano disse que as suas forças armadas recuperaram o controlo de áreas fundamentais nas regiões de Kiev e Chernihiv. No entanto, Zelensky avisa que a Rússia tem reservas para aumentar a pressão no leste do país. Diz Zelensky: os ucranianos não podem “acalentar esperanças vazias” de que as tropas russas simplesmente vão sair.

A paz só será alcançada se os ucranianos trabalharem “em duras batalhas e, paralelamente, em negociações”. A “arquitetura de segurança global falhou”. A Ucrânia “ainda não recebeu sistemas antimísseis ocidentais modernos suficientes”, alertou Zelensky.

O presidente da Ucrânia voltou a lançar pelo desesperado: os aliados ocidentais não forneceram sistemas antimísseis modernos suficientes, nem aeronaves. “Cada míssil russo que atinge nossas cidades e cada bomba lançada sobre nosso povo, sobre nossos filhos, apenas adiciona tinta preta à história que descreverá todos de quem a decisão dependeu”.

4 – UMA DATA A TER EM CONTA: 9 DE MAIO

A Rússia não pode parar enquanto não obtiver uma situação militar no terreno que lhe permita negociar em posição de força. O plano inicial de tomar Kiev em poucos dias falhou porque Moscovo encontro muito maior resistência ucraniana do que esperava, porque a defesa civil da Ucrânia está a ser bem maior do que as expectativas geradas. E também porque, ao contrário do que aconteceu na Geórgia em 2008 e na Crimeia em 2014, os EUA e o Ocidente responderam de forma mais coesa e determinada, com sanções duras, isolamento à Rússia e apoio militar à Ucrânia.

Putin está sob pressão para demonstrar que pode apresentar uma vitória à medida que os reveses pesados aumentam e o leste da Ucrânia é onde tem mais probabilidade de o conseguir. Dados da inteligência americana sugerem que Putin está focado em celebrar algum tipo de “Dia da Vitória” a 9 de maio, um feriado importante no calendário russo que marca a rendição nazi na Segunda Guerra Mundial.

Ora, esta é uma informação importante na gestão dos próximos passos das negociações. O potencial diplomático existe: um membro da equipa de negociação ucraniana avançou ontem que o lado russo respondeu positivamente às posições ucranianas em várias questões e que existe a possibilidade de “consultas diretas” entre o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e o líder russo Vladimir Putin num futuro próximo.

5 – FORÇA UCRANIANA, FRAQUEZA RUSSA

Durante as guerras há sempre negociações. Um possível encontro Zelensky/Putin indica força ucraniana e fraqueza russa; reforça a ideia de que Moscovo terá afastado a hipótese, pelo menos nesta fase, de tomar Kiev e forçar a saída política de Zelensky.

A questão-chave continua a ser, no entanto: não se negoceia sob bombas e é preciso criar algum tipo de confiança entre as partes. Ao aceitar a neutralidade e ao abdicar do desejo de entrar para a NATO, a Ucrânia precisa de garantias para a sua segurança. Veremos se países como Itália, Turquia ou Grécia podem ter um papel nesse caminho. A má experiência 1994, em Budapeste, é sério aviso a Kiev: na altura, a Ucrânia aceitou abdicar da sua nuclearização, endossando à Rússia a posse armas nucleares que supostamente assegurariam a defesa dos ucranianos. Viu-se o que aconteceu e o ponto onde estamos neste momento.

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