Guerra Rússia-Ucrânia

Guerra na Terra abala cooperação no Espaço

O equilíbrio conseguido no pós-Guerra Fria foi abalado pela invasão Russa à Ucrânia.

Catarina Solano de Almeida

A invasão russa da Ucrânia, lançada a 24 de fevereiro, teve um efeito quase imediato nos programas espaciais, interrompendo a cooperação entre Moscovo e as potências espaciais que começou no final da Guerra Fria.

Em resposta às sanções da União Europeia, a agência espacial russa Roscosmos decidiu a 26 de fevereiro, dois dias após o início da ofensiva russa, suspender os lançamentos Soyuz a partir de Kourou na Guiana Francesa, o porto espacial europeu da ESA, e mandou regressar a casa a equipa de cerca de cem engenheiros e técnicos.

Desde 2011 que o Centro Espacial da Guiana Francesa faz os lançamentos do foguetão russo Soyuz, no âmbito de um acordo intergovernamental. Para 2022, estavam previstos três lançamentos com este foguetão: dois para o lançamento de dois satélites da “constelação europeia” Galileo e um para o lançamento do satélite espião francês CSO-3.

No entanto, já estava prevista a substituição do Soyuz pelo europeu Ariane 6, com o primeiro lançamento previsto para o segundo trimestre de 2022, e pelo Vega-C.

Missão da ESA e Roscosmos a Marte

Outra vítima colateral desta guerra é a missão russo-europeia ExoMars, cujo lançamento – já adiado para 2022 devido à pandemia de covid-19 – estava agora previsto para setembro de 2022.

A 28 de fevereiro, a ESA admitiu como “muito improvável” o envio do robô Rosalind Franklin para Marte. A janela de oportunidade para um lançamento só se abre a cada dois anos.

ExoMars: a missão a Marte ExoMars é um projeto da Agência Espacial Europeia (ESA) em colaboração com as autoridades espaciais russas, a Roscosmos. Um projeto com duas fases: a primeira está a decorrer desde março de 2016 e a segunda fase tinha lançamento previsto para setembro de 2022 e chegada a 2023. A missão da ESA-Roscosmos deveria levar até Marte o rover Rosalind Franklin e a plataforma russa Kazachok. Deveria ser lançado por um foguetão russo a partir do cosmódromo Baikonur, no Cazaquistão. Após um voo interplanetário de nove meses, um módulo de descida contendo o rover e a plataforma deveria ser lançado na atmosfera marciana a uma velocidade de 21 mil km por hora.

Estação Espacial Internacional (ISS)

A Estação Espacial Internacional é a maior construção que o Homem fez fora da Terra numa parceria que junta nações “rivais” – EUA, Rússia, Canadá, Japão e os países europeus da ESA. Esta extraordinária cooperação entre nações permitiu conduzir várias e extraordinárias experiências científicas a bordo da ISS e que têm impacto na Terra.

Apesar de não ser novidade que a Rússia pretende abandonar o projeto internacional – anunciou em abril de 2021 que deixar de colaborar na Estação Espacial Internacional a partir de 2025 e terá planos para construir a sua própria estação espacial que poderá ser lançada em 2030 – é difícil prever as consequências desta rutura.

“Apesar do conflito atual, a cooperação espacial civil continua a ser uma ponte”, escrevia no Twitter a 25 de fevereiro o diretor-geral da ESA, Josef Acshbacher.

Mas a 4 de março a Roscosmos anunciou que iria pôr fim às experiências científicas conjuntas com a Alemanha na Estação Espacial e iria focar-se na construção de satélites militares.

Estão atualmente na Estação Espacial Internacional sete astronautas: dois russos (Roscosmos), quatro norte-americanos (NASA) e um alemão (ESA).

Anton Shkaplerov
Mark Vande Hei
Pyotr Dubrov
Raja Chari
Thomas Marshburn
Matthias Maurer
Kayla Barron

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A NASA garantiu, por sua vez, que os Estados Unidos e a Rússia sempre trabalharam juntos “pacificamente” na ISS, onde as “equipas conversam entre si”. Avança, no entanto, que já trabalha em soluções para manter a Estação em órbita sem a ajuda da Rússia.

As operações da ISS estavam inicialmente previstas para terminarem em 2015, mas este prazo foi sendo sucessivamente revisto e alargado pelos parceiros internacionais, estando agora previsto para 2030.

Mas ao fim de 30 anos de serviço, a Estação Espacial Internacional tornar-se-á demasiado velha e cara para ser mantida, além de já não ser possível garantir a total segurança dos astronautas.

Até lá, em princípio, a colaboração norte-americana e russa tem de se manter. A Rússia fornece a propulsão para a estação, os americanos fornecem a energia. A ISS não pode existir sem nenhuma das partes.

Colaboração internacional a partir do cosmódromo de Baikonur

A partir do cosmódromo em Baikonur no Cazaquistão já foram lançadas inúmeras missões espaciais. A colaboração entre a Rússia e as outras grandes potências espaciais tem sido intensa desde o fim da Guerra Fria.

  • Rússia cancela lançamento de satélites britânicos OneWeb de Baikonur


A agência espacial russa Roscosmos cancelou a 4 de março o lançamento do foguetão Soyuz-2.1b, que ia colocar em órbita 36 satélites britânicos OneWeb, devido às sanções impostas pelo Reino Unido contra a Rússia após a invasão da Ucrânia.

“Como o Governo britânico, membro do conselho de administração da empresa OneWeb, está agora a fazer uma campanha desenfreada [contra a Rússia], estou a ordenar a suspensão dos preparativos” de lançamento, disse o responsável da Roscosmos, Dmitri Rogozin.

O presidente da agência espacial russa informou que o foguetão seria removido do da plataforma de lançamento e devolvido à base de serviços técnicos.

CERN suspende colaboração com a Rússia

A Organização Europeia para a Investigação Nuclear – CERN anunciou a 8 de março a suspensão do estatuto de observador da Rússia e de novas colaborações com o país e com as suas instituições, em resposta à guerra na Ucrânia.

Em comunicado, o CERN, do qual fazem parte 23 países, incluindo Portugal, refere que, até nova decisão, “não se envolverá em novas colaborações” com a Rússia e “as suas instituições”, e que o estatuto de observador do país está suspenso.

O Conselho do CERN expressa, no entanto, “o seu apoio aos muitos membros da comunidade científica russa do CERN que rejeitam” a invasão da Ucrânia, adiantando que “promoverá iniciativas para apoiar os colaboradores ucranianos e a atividade científica ucraniana no campo da física de alta energia”.

O laboratório europeu de física de partículas, com sede em Genebra, Suíça, esclarece que “cumprirá todas as sanções internacionais aplicáveis”, realçando que “está pronto para tomar quaisquer outras medidas, conforme apropriado, em futuras reuniões”.

Os Estados-membros condenam a ofensiva militar, deplorando “a perda de vidas humanas” e “o impacto humanitário”, assim como “o envolvimento da Bielorrússia no uso ilegal da força contra a Ucrânia”.

O comunicado do CERN acrescenta que administração, funcionários e cientistas estão “a trabalhar para contribuir para o esforço humanitário na Ucrânia e para ajudar a comunidade ucraniana no CERN”, frisando que a guerra da Rússia contra a Ucrânia “vai contra tudo o que a organização defende”, como os “valores fundamentais de colaboração científica além-fronteiras como um motor para a paz”.

Criado em 1954, o CERN alberga o maior acelerador de partículas do mundo

Com agências

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