Guerra Rússia-Ucrânia

O impensável

Opinião de Paula Mesquita Lopes, SIC.

Paula Mesquita Lopes

Sou, por natureza, uma pessoa otimista. Mas desde 24 de fevereiro não consigo vislumbrar uma perspetiva positiva para o futuro próximo, porque um só homem está a pôr em risco a vida de milhões de pessoas.

Palavras como invasão, território e guerra não são conceitos abstratos. Envolvem pessoas e as suas vidas. A invasão do território da Ucrânia abalou com violência a vida de mais de 44 milhões de ucranianos. Alterou também, talvez para sempre, a vida de parte significativa dos 900 mil militares que estão no ativo nas forças armadas da Rússia.

A guerra na Ucrânia, com todas as suas consequências, está a afetar a vida de centenas de milhões de pessoas, em todo o mundo. Sendo esta uma guerra na Europa, está a afetar, pelo menos, os quase 750 milhões de habitantes do continente, incluindo os 144 milhões de russos.

O que está em causa, portanto, são as pessoas. Pessoas cujas vidas terminaram quando não havia essa expectativa. Pessoas cujas vidas mudaram para sempre, no caso de quem ficou ferido ou perdeu entes queridos. Pessoas cujas vidas foram interrompidas, no caso de quem fechou a porta de casa atrás de si sem saber se algum dia a poderá voltar a abrir.

Acredito que centenas de milhões de pessoas, entre as quais eu me incluo, não sabiam sequer que a maior central nuclear da Europa se situa na Ucrânia e agora até sabem que fica na cidade de Zaporizhzhia, que tem 6 reatores e que no dia 4 de março, depois de atacada, passou a ser controlada por tropas russas. Neste dia em que escrevo, a Agência Internacional de Energia Atómica não consegue contactar com esta central nuclear, porque as comunicações não estão operacionais, o que representa um incumprimento grave das regras a que estão obrigadas todas as centrais nucleares. E assim, a palavra nuclear, passa a ser um conceito que envolve pessoas e as suas vidas. Por agora, só dos trabalhadores que continuam na central e dos técnicos da AIEA que não conseguem comunicar com eles.

Mas se nos lembrarmos que se estima que a Rússia tem, no mínimo, 3 mil ogivas nucleares estrategicamente operacionais, a palavra nuclear pode em teoria passar a ser um conceito que envolveria dezenas de milhões de pessoas e as suas vidas. Em teoria ou numa realidade não muito distante porque, de acordo com a doutrina militar russa, estabelecida em 2010, as armas nucleares podem ser usadas ​​pela Rússia “em resposta ao uso de armas nucleares e outras armas de destruição em massa contra a Rússia ou seus aliados, e também em caso de ataques contra a Rússia com o uso de armas convencionais, quando a própria existência do Estado da Rússia estiver ameaçada.”

Outra palavra que é desde sempre um conceito que envolve pessoas e as suas vidas é economia. E a economia está a ser muito afetada pela guerra. Muito e em poucos dias. Com o evoluir do conflito, com milhões de refugiados (esperam-se 5 milhões) a chegar à União Europeia, a pressão dos governos e das opiniões públicas para acabar com esta guerra, vai inevitavelmente crescer. Como estão a crescer os preços da energia e dos combustíveis.

E o que estaremos dispostos a arriscar para terminar com este conflito? Que ações esperamos, nomeadamente da NATO para que as pessoas da Ucrânia, as pessoas de toda a Europa, recuperem as suas vidas?

Estaremos dispostos a exigir que se acabe com a guerra a qualquer preço? Estaremos dispostos a arriscar a existência da humanidade neste planeta?

Sem respostas, por agora resta-nos acreditar que os russos também amam os seus filhos.

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