Especialistas de saúde pública e políticos voltaram a reunir-se esta quarta-feira na sede do Infarmed, em Lisboa, para avaliar a evolução da pandemia de covid-19 em Portugal. Alguns peritos admitiram a hipótese de reduzir as medidas restritivas, embora com recomendações e alertas sobre a necessidade de monitorização, de “autogestão de risco” e de responsabilização de cada indivíduo.
Situação epidemiológica em Portugal
Pedro Pinto Leite, da Direcção-Geral da Saúde, deu início às comunicações dos especialistas e abordou a situação epidemiológica em Portugal.
“Esta fase é caracterizada pelo número de novos casos mais elevado desde o início da pandemia“, começou por referir Pedro Pinto Leite, que sublinhou a “tendência fortemente crescente” do aumento da incidência em todas as regiões do país, destacando-se Lisboa e Vale do Tejo e a região autónoma da Madeira.
“O risco de morte é substancialmente inferior nos indivíduos com o esquema vacinal completo”, sublinhou o perito da DGS.
“O aumento de incidência já se faz sentir nos dados sobre hospitalizações, mas as unidades de cuidados intensivos (UCI) ainda se mantêm a 60% e com tendência estável”, indicou Pedro Pinto Leite.
O especialista sublinhou que Portugal está abaixo do nível de alerta quanto aos internamentos, e “muito abaixo” no que diz respeito a camas em UCI.
Em relação à mortalidade, Pinto Leite disse que se verifica também “uma tendência estável”, para um valor inferior ao linear determinado pelo Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doença, de 20 óbitos a 14 dias por 100 mil habitantes.
A maior incidência da doença mantém-se no grupo etário dos 20 aos 29 anos, com o aumento da incidência em todos os grupos etários, “especialmente nos mais novos”.
Pedro Pinto Leite disse que existe uma criança ou jovem internada em UCI com covid-19 em Portugal. Entre os 0 e os 19 anos há ainda 31 crianças em enfermarias. Esta é a faixa etária com menos internamentos, logo seguida dos jovens entre os 20 e os 29 anos, com 99 internamentos em enfermaria e seis em UCI.
Variante Ómicron já é responsável por 90% dos novos casos em Portugal
Seguiu-se João Paulo Gomes, do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), que falou sobre a evolução da prevalência e transmissibilidade da variante Ómicron.
O especialista deu conta de uma enorme heterogeneidade da variante a nível nacional, contribuindo para isso os fluxos de turismo, com impacto nomeadamente no Algarve.
“A 20 de dezembro a Ómicron atingiu os 50% a nível nacional e à data de ontem situava-se nos 90%”, referiu João Paulo Gomes.
“A variante Ómicron tem muito mais mutações e é isso que explica a sua maior transmissibilidade”, esclareceu o especialista.
De acordo com João Paulo Gomes, a variante Ómicron surgiu primeiro na região de Lisboa e Vale do Tejo e só mais tarde no Algarve.
O perito do INSA explicou também que “a menor transmissibilidade da Ómicron está relacionada com a menor capacidade da variante para se multiplicar nos nossos pulmões”.
Gravidade da infeção e eficácia das vacinas
Ana Paula Rodrigues, também do INSA, apresentou dados sobre a gravidade da infeção e a eficácia das vacinas.
A especialista falou sobre a gravidade da infeção com SARS-CoV-2, a efetividade da vacinação e possível impacto.
Em relação à gravidade da infeção, Ana Paula Rodrigues referiu que o risco de hospitalização é maior nas crianças com menos de 5 anos e nos adultos mais velhos.
“Nos adultos entre os 20 e os 60, um estudo escocês regista uma redução do risco internamento, comparativamente com a variante Delta”.
“O que se espera da variante Ómicron é um padrão diferente, com elevada carga da doença e prevalência elevada, mas menos peso relativo das infeções (…) A infeção não deixa de ser grave, mas mais benigna”, sublinhou a especialista.
“O que se percebe é que a efectividade vacinal é mais baixa do que a estimada para a Delta contudo o que se vê depois do reforço é o aumento da efectividade”. “Varia com o tempo e com o tipo de vacina feita inicialmente. Podemos classificar entre moderada a elevada contra infecção sintomática”, embora se note um “decaimento mais rápido da efectividade com a Ómicron”, referiu Ana Paula Rodrigues.
Cenário de impacto da Ómicron na população portuguesa
Baltazar Nunes, do mesmo instituto, explicou o cenário de impacto da Ómicron na população portuguesa.
Tendo como exemplo Dinamarca e Inglaterra, a partir do momento em que se ultrapassa os 50% de casos de Ómicron, verifica-se um aumento da transmissibilidade, explicou Baltazar Nunes.
“Em relação à situação nacional, é muito semelhante, verificamos que a partir dos 50% a incidência passou a ser muito maior (…) Atualmente estamos a crescer a 12% ao dia e no caso das hospitalizações a subida é de 2%“, referiu o perito do INSA.
“Há um aumento dos contactos no Natal de cerca de 25% e no Ano Novo de cerca de 15%”, acrescentou.
Máximo de casos esperados para a segunda semana de janeiro
De acordo com Baltazar Nunes, um máximo de casos são esperados para a segunda semana de janeiro.
“Podemos esperar um número de infeções muito elevado, um número muito elevado de pessoas em isolamento e de absentismo. Um impacto muito elevado nos serviços de saúde e de primeira linha. Provável impacto no absentismo escolar e laboral”, resumiu o especialista
“A melhor foram de reduzir o impacto da variante Ómicron é atingir níveis elevados da vacinação de reforço nos grupos de risco. Uma vez que a evolução da Ómicron é recente em Portugal e é essencial manter a monitorização”, concluiu.
Certezas e incertezas da pandemia
As certezas e incertezas da pandemia foram abordadas por Henrique Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto.
“Há algumas certezas inequívocas. É inequívoco que esteja a haver um caminho no sentido de variantes menos patogénicas. É inequívoco que é possível controlar a infeção, através da vacina e de tratamentos”, disse o especialista, sublinhando que o essencial é garantir que controlamos e que respondemos à infeção.
“Incertezas também as vivemos. Ainda não se sabe o risco em pessoas não vacinadas… Imaginar que podemos deixar que a variante se espalhe facilmente pode ser um erro”, realçou Henrique Barros.
O perito considerou que “foi possível mostrar que é possível controlar a infeção numa escoa” e que é preciso “saber jogar com a vacina e com os testes”.
“Sobretudo há uma enorme esperança que são as novas vacinas que vão surgir, tecnicamente mais eficazes”. “Com a vacinação e com uma estratégia de testes podemos viver próximo da normalidade”, considerou.
“O anúncio do fim da pandemia infelizmente é capaz de ser bastante exagerado”, concluiu Henrique Barros.
Comportamentos e perceções sociais durante o período das festas
Andreia Leite, da Escola Nacional de Saúde Pública, falou sobre os comportamentos e as perceções sociais durante o período das festas.
“Tem havido uma evolução da perceção de risco e dos comportamentos e verificamos uma elevada preocupação durante a quadra festiva”, explicou Andreia Leite.
Entre 11 de dezembro e 3 de janeiro, 96% das pessoas disseram que adotaram medidas durante as festas: 71% das pessoas disseram que realizariam testes antes dos encontros, mais de 50% dos indivíduos tentaram assegurar-se de que os restantes elementos estavam vacinados.
A especialista apresentou os resultados da análise estabelecida a cada 15 dias, com a introdução regular de novas perguntas. Este barómetros permitiu concluir que foram registadas oscilações de comportamento consoante a situação epidemiológica se altera.
Andreia Leite referiu que o número de pessoas que dizem cumprir a utilização de máscara em espaços fechados “sempre” diminuiu, bem como a frequência da resposta “sempre” no que diz respeito ao distanciamento social. A frequência de testagem, no entanto, ganhou relevância.
Recomendações para a gestão da pandemia
As recomendações para a gestão da pandemia estiveram a cargo de Raquel Duarte, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto.
A especialista começou por abordar as “ameaças”, como a iniquidade no acesso à vacinação mundial, o que se pode traduzir no aparecimento de novas variantes.
Raquel Duarte considerou a manutenção das propostas da Direção-Geral da Saúde, como o controlo de fronteiras, o distanciamento e a atenção às populações mais vulneráveis.
A especialista sublinhou também a “promoção de autoavaliação do risco e autoteste”, e da realização de testes “acessíveis e gratuitos”. É importante “capacitar a população sobre o que fazer no caso de um teste positivo”, considerou.
Redução de medidas restritivas tendo por base medidas de precaução
Raquel Duarte defendeu a redução das medidas restritivas tendo por base medidas de precaução, nomeadamente: vacinação, ventilação, certificado digital, testes e e auto-testes, higienização das superfícies e das mãos e proibição de consumo de bebidas alcoólicas na via pública.
Após quase dois anos de contacto com a SARS-CoV-2, a especialista realçou no fim da apresentação que é importante “considerar a autogestão de risco e a responsabilização de cada um de nós”.
Ponto de situação da vacinação da covid-19
As apresentações terminam com um ponto de situação da vacinação contra a covid-19 pelo coronel Carlos Penha-Gonçalves.
“Cerca de três milhões de pessoa com a terceira dose da vacina e cerca de um milhão de pessoas receberam a vacinação em co-administração, ou seja, receberam a vacina da gripe a da covid-19″, começou por anunciar.
“Há altas taxas de vacinação até à faixa etária dos 20 anos e estamos agora a vacinar as crianças entre os cinco e os 11 anos”, referiu, acrescentando que há 88% da população portuguesa com a vacinação primária contra a covid-19.
“A maior parte das pessoas que existem por vacinar são as crianças e os jovens entre os cinco e os 20 anos”, explicou Carlos Penha-Gonçalves.
A dose de reforço foi iniciada a 11 de outubro e, desde então, 85% das pessoas acima dos 80 anos já a receberam.
“A relação entre casos e óbitos começa a mostrar uma dissociação em julho de 2021 com a variante Delta e na última onda epidémica isso ainda é mais evidente”, considerou.
Nos próximos dois meses e meio, está previsto vacinar cinco milhões de pessoas elegíveis com a dose de reforço.
Reunião no Infarmed em véspera de Conselho de Ministros
A apresentação teve início às 10:00 com a ministra da Saúde, Marta Temido, e terminou ao meio-dia, seguindo-se um período de debate.
Este encontro no Infarmed, na véspera do Conselho de Ministros, ocorreu numa altura em que a incidência de infeções com o coronavírus SARS-CoV-2 subiu para 1.805,2 casos por 100 mil habitantes e o índice de transmissibilidade (Rt) também registou um aumento, passando para 1,43.
Na reunião na sede do Infarmed, apenas estiveram presentes o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, e o primeiro-ministro, António Costa, além da ministra da Saúde e oito especialistas.
Representantes dos partidos, membros do Conselho de Estado ou parceiros sociais participaram na sessão por videoconferência.
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