Em Portugal, a IVG foi despenalizada em 2007, o que significa que deixou de ser crime e, dentro de certos prazos e condições, é acessível e gratuita no Serviço Nacional de Saúde. E não foi com base em crenças pessoais que isto se decidiu. Foi com base em evidência.
Todos os estudos mostram que proibir o aborto não só não o impede, como empurra para a clandestinidade o que o torna mais perigoso. Provavelmente por isso é que antes de 2007 esta era a terceira causa de morte materna.
Este vídeo também falha em explicar como funciona, na realidade, uma IVG. Não há mãos cheias de sangue, nem filas de mulheres que esperam a sua vez. Por isso, crenças pessoais à parte, vou explicar como funciona.
Quando alguém quer interromper a gravidez, recorre a um serviço de saúde oficialmente reconhecido e é agendada uma primeira consulta para se confirmar se não ultrapassa as 10 semanas e 6 dias de gravidez.
Uma vez confirmado, tudo é muito bem explicado por vários profissionais de saúde. Depois há um período obrigatório de reflexão de três dias, em que se pode ter apoio psicológico ou social, para perceber todas as opções disponíveis.
Na segunda consulta, é feita a interrupção. Que na maioria das vezes se faz com comprimidos e em casa. Havendo uma vigilância e reavaliação da parte do hospital. Numa minoria dos casos, há de facto necessidade de uma cirurgia relativamente simples, que implica ficar no hospital algumas horas ou um dia para vigilância.
Mais ou menos 15 dias depois da interrupção, há uma terceira consulta, para confirmar que está tudo bem. Nesta consulta, aborda-se também o método contracetivo, que pode ser iniciado de forma gratuita e informada.
Disponibilizar este serviço de forma legal e precoce é exatamente o que evita o tipo de cenário demonstrado no vídeo. Para além de que não obriga ninguém a abortar. Essa continua a ser uma decisão pessoal.
E tenho ainda algumas dúvidas. A gravidez requer à partida uma ovulação, que acontece uma vez por mês e que dificilmente a mulher consegue prever com exatidão, e uma ejaculação dentro da vagina, algo que está sob o controlo do homem e que, pode ser evitada usando uma coisa tão simples quanto um preservativo.
Apesar disto, a responsabilidade é quase sempre atribuída à mulher. E é raro ver numa consulta de planeamento familiar, ou mesmo de IVG, a pessoa que tem no mínimo 50% da responsabilidade.
Quem defende a despenalização do aborto não quer que mais mulheres abortem. Quer que essa opção seja prevista e segura. E a redução do número de casos faz-se com muito mais do que vídeos violentos e que promovem desinformação.
Têm de começar muito antes com prevenção. Isto implica falar sobre contraceção e torná-la acessível e gratuita, falar sobre o ciclo menstrual e sobre planeamento familiar, e promover literacia sexual e reprodutiva desde cedo, nas escolas e em casa - e isto é verdade para todos os envolvidos, não só para quem fica grávida.
Proibir a IVG seria um retrocesso e deixaria mais mulheres em perigo e despenalizá-la só a torna segura, e não a incentiva.
Agora aguardo pacientemente um vídeo sobre o ciclo menstrual e sobre métodos contracetivos, que passe em prime time nos principais canais de televisão.