Economia

Tribunal de Contas alerta que a Europa arrisca perder a corrida para criar uma indústria das baterias

“A indústria europeia de baterias está a ficar para trás face aos seus concorrentes”, alerta o Tribunal de Contas Europeu. Um relatório publicado esta segunda-feira valoriza o papel que Portugal pode ter nesta indústria, mas alerta para a demora no tempo de licenciamento da extração de lítio

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Miguel Prado

“A indústria europeia de baterias está a ficar para trás face aos seus concorrentes”. O aviso é de Annemie Turtelboom, membro do Tribunal de Contas Europeu (TCE), que coordenou uma auditoria da qual resultou um relatório, publicado esta segunda-feira, sobre a política industrial da União Europeia (UE) para as baterias.

Annemie Turtelboom sublinha uma “insuficiente coordenação nos apoios públicos”, que pode minar a ambição europeia de desenvolver uma cadeia de valor na área das baterias, podendo atrasar projetos e pôr em causa o cumprimento das metas de descarbonização no setor dos transportes.

Na ótica dos responsáveis do TCE, ou a Europa falha a meta de eletrificação dos transportes traçada para 2035 ou, se a quiser cumprir, terá de recorrer a um elevado volume de importações de carros elétricos e de baterias, ficando nas mãos dos fornecedores de países terceiros.

O português Afonso de Castro Malheiro, um dos membros da equipa do TCE que realizou a nova avaliação, admitiu, numa conferência de imprensa esta segunda-feira, que Portugal e Espanha poderão tirar partido da abundância e baixo custo da energia solar para captar investimentos industriais na área das baterias.

“Sim, a energia é importante pela competitividade e para garantir que os países cumprem as regras europeias em termos de pegada ambiental na produção de baterias”, comentou Afonso de Castro Malheiro.

O TCE debruçou-se, na sua análise, sobre o plano de ação que a Comissão Europeia apresentou em 2018 para a cadeia de valor das baterias, avaliando ainda a afetação de apoios financeiros a projetos nesta área.

O Tribunal considera que “a Comissão foi eficaz na sua promoção de uma política industrial da União em matéria de baterias, apesar das insuficiências no acompanhamento, na coordenação e no direcionamento, e ainda que o acesso às matérias-primas permaneça um grande desafio estratégico para a cadeia de valor das baterias da UE”.

Mas o TCE também nota que Bruxelas sustenta a sua aposta nas baterias em “dados limitados e muitas vezes desatualizados”. O relatório refere ainda que “o plano de ação de 2018 não estabeleceu metas quantificadas e calendarizadas e a Comissão não determinou o volume de baterias que a União deveria produzir para concretizar o duplo objetivo de neutralidade climática e de manutenção de um setor automóvel competitivo na UE”.

O relatório agora divulgado nota que “a cadeia de valor das baterias da UE continua a depender fortemente do aprovisionamento de países terceiros”, um dado que também se verifica, por exemplo, na área das energias renováveis: a larga maioria dos painéis solares instalados no Velho Continente são importados da China, e muitos componentes usados na instalação de nova capacidade renovável vêm de fora da Europa.

Os desafios do financiamento e do licenciamento

No capítulo do financiamento, a coordenadora desta auditoria, Annemie Turtelboom, observa que “83% dos apoios [classificados como auxílios estatais] vão para apenas três países”, designadamente Alemanha, França e Itália. Isso, aponta o TCE, não garante “condições de concorrência equitativas no acesso ao financiamento público”.

O relatório reconhece ainda que “em 2018 Portugal adotou uma estratégia para a exploração dos recursos nacionais de lítio”, enquanto “Espanha, França e Polónia não dispõem de estratégias nacionais oficiais especificamente dedicadas à cadeia de valor das baterias”.

As reservas de lítio existentes em Portugal (as maiores da Europa) foram também enfatizadas por Annemie Turtelboom como uma realidade que a Europa pode aproveitar. Contudo, o tempo necessário para explorar as reservas existentes é algo que preocupa a equipa do TCE que avaliou a estratégia europeia.

“Os calendários de realização dos projetos de exploração mineira, desde a descoberta até à primeira produção, embora variem muito consoante o mineral, a localização e o tipo de mina, são longos, tendo uma duração média de 12 a 16 anos”, pode ler-se no relatório.

“As diferenças registadas nos procedimentos de licenciamento, que, em alguns casos, são delegados nas autoridades regionais ou mesmo locais, podem piorar a situação. Por isso, a oferta proveniente de fontes primárias é rígida e incapaz de responder rapidamente ao aumento da procura”, aponta o TCE.

“O Tribunal observou uma situação deste tipo em Portugal, o Estado-Membro que possui as maiores reservas conhecidas de lítio na UE. Embora as reservas tenham sido quantificadas já em 2017 e tenham sido recebidos pedidos de exploração de operadores já ativos nas zonas em causa, os procedimentos de licenciamento necessários estavam ainda em curso em dezembro de 2022. Mesmo que este processo seja bem-sucedido, as autoridades não esperam que a exploração comece antes de 2026”, acrescenta o TCE.

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