Economia

Indemnização regressa à AR, "mira" dos deputados está apontada à CEO da TAP

Alexandra Reis escapou, mas a CEO da TAP não. Esta quarta-feira, Christine Ourmières-Widener vai ser ouvida pelos deputados da Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação. As questões e dúvidas são muitas, o tema apenas um: a saída da ex-secretária de Estado com uma indemnização de 500 mil euros.

Presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener
JOSÉ SENA GOULÃO

Ana Lemos

Lusa

A audição é de urgência e vai acontecer esta manhã no Parlamento. Pelo caminho, o Ministério das Infraestruturas “desabou”, o ministro Pedro Nuno Santos demitiu-se e os esclarecimentos do ministro das Finanças não foram suficientes para arrumar a polémica indemnização que Alexandra Reis recebeu da TAP.

São ainda muitas as dúvidas sobre o caso: por que motivo saiu? Demitiu-se ou foi demitida? E porquê, o que se passou? E estava uma empresa pública insolvente em condições de pagar tão generosa indemnização?

Caberá (ou não, veremos) à presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, dar essas explicações. Um dado é desde já certo, Alexandra Reis saiu da companhia aérea pouco mais de meio ano depois de a CEO ter assumido funções. Dali rumou à NAV e daí ao Governo, onde teve a estadia mais curta - menos de um mês.

No requerimento potestativo do Chega, depois de o grupo parlamentar do PS ter rejeitado a proposta de audição num primeiro momento, sustenta-se que a audição da CEO da TAP surge “para que finalmente consiga a Assembleia da República alcançar a verdade que tanta falta faz para dissipar a névoa que envolve toda esta novela”.

Será que vai Christine Ourmières-Widener conseguir fazer o que até agora ninguém conseguiu? A partir das 10:30 acompanhe, em direto, na emissão da SIC Notícias a audição de urgência no Parlamento.

O presente de Natal que chegou na véspera

No dia 24 de dezembro, o Correio da Manhã noticiou que a recém-nomeada secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, escolhida pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, e que tinha tomado posse no início de dezembro, recebeu uma indemnização no valor de 500 mil euros por sair antecipadamente do cargo de administradora executiva da TAP, quando ainda tinha de cumprir funções durante dois anos.

Alexandra Reis ingressou na TAP em setembro de 2017 e três anos depois foi nomeada administradora da companhia aérea, por indicação do acionista privado.

Cinco anos e cinco meses depois, em fevereiro de 2022, deixou a administração da TAP e, em junho, foi nomeada pelo Governo para a presidência da NAV Portugal - Navegação Aérea. Questão que motivou críticas de vários partidos da oposição.

A saída da TAP

Em fevereiro, a companhia aérea enviou um comunicado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) a dar conta de que Alexandra Reis tinha renunciado ao cargo na administração.

"Tendo sido nomeada pelos anteriores acionistas, e na sequência da alteração da estrutura societária da TAP, Alexandra Reis, vogal e membro do Conselho de Administração e Comissão Executiva da TAP, apresentou hoje renúncia ao cargo, decidindo encerrar este capítulo da sua vida profissional e abraçando agora novos desafios", lia-se no comunicado enviado na altura.

Explicações precisam-se

Depois da notícia sobre a indemnização, os ministros das Finanças e das Infraestruturas e Habitação emitiram, a 26 de dezembro, um despacho onde pediram à administração da TAP "informações sobre o enquadramento jurídico do acordo" celebrado com Alexandra Reis, incluindo a indemnização paga.

A revelação dos 1,4 milhões de euros

Na resposta ao pedido de explicações do Governo, que foi posteriormente remetida à Inspeção-Geral de Finanças (IGF) e à CMVM, a TAP disse que Alexandra Reis tinha pedido, inicialmente, 1,4 milhões de euros de indemnização, no âmbito do acordo para cessar funções na companhia.

Segundo a TAP, dos 500 mil euros acordados, 56.500 "correspondem especificamente à compensação pela cessação do contrato de trabalho de trabalho sem termo de AR [Alexandra Reis] como diretora da empresa".

Por outro lado, "como contrapartida pela cessação antecipada dos contratos de mandato referentes às funções de administração, foi acordada uma compensação global agregada ilíquida de 443.500 euros", sendo que, subjacente a esta "se consideram (embora de forma não discriminada) duas rubricas em negociação".

Estas rubricas são 107.500 euros de "remunerações vencidas reclamadas, correspondentes a férias não gozadas" e 336.000 euros "de remunerações vincendas, correspondentes a cerca de 1 ano de retribuição base, considerando a retribuição ilíquida sem reduções decorrentes dos acordos de emergência ou outras deduções".

A explicação de Alexandra Reis

Numa declaração escrita enviada à Lusa, Alexandra Reis disse que o acordo de cessação de funções "como administradora das empresas do universo TAP" e a revogação do seu "contrato de trabalho com a TAP S.A., ambas solicitadas pela TAP, bem como a sua comunicação pública, foi acordado entre as equipas jurídicas de ambas as partes, mandatadas para garantirem a adoção das melhores práticas e o estrito cumprimento de todos os preceitos legais".

Esta versão contraria a informação enviada pela TAP à CMVM, em fevereiro, de que tinha sido Alexandra Reis a renunciar ao cargo.

"Nunca aceitei - e devolveria de imediato caso já me tivesse sido paga - qualquer quantia em relação à qual não estivesse convicta de estar ancorada no estrito cumprimento da lei", sublinhou Alexandra Reis, garantindo que "esse princípio se aplica também aos termos" da sua "cessação de funções na TAP".

Quando a renúncia passou a demissão

Num esclarecimento à CMVM em 28 de dezembro, a companhia aérea referiu que a renúncia apresentada por Alexandra Reis "ocorreu na sequência de um processo negocial de iniciativa da TAP, no sentido de ser consensualizada por acordo a cessação de todos os vínculos contratuais existentes entre Alexandra Reis e a TAP".

A queda do Ministério

Em 27 de dezembro, Alexandra Reis apresentou o pedido de demissão das funções de secretária de Estado do Tesouro, solicitado pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, depois dos esclarecimentos à TAP e de o próprio primeiro-ministro, António Costa, ter admitido que desconhecia os antecedentes de Alexandra Reis.

Em comunicado, Fernando Medina explicou que tomou a decisão para "preservar a autoridade política do Ministério das Finanças num momento particularmente sensível na vida de milhões de portugueses".

Dois dias depois, na madrugada de 29 de dezembro, demitiram-se o então ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, e o secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Santos Mendes.

Em comunicado, o gabinete de Pedro Nuno Santos explicava que "face à perceção pública e ao sentimento coletivo gerados em torno" do caso" decidiu "assumir a responsabilidade política e apresentar a sua demissão", aceite pelo primeiro-ministro, António Costa.

"No seguimento das explicações dadas pela TAP, que levaram o ministro das Infraestruturas e da Habitação e o ministro das Finanças a enviar o processo à consideração da CMVM e da IGF, o secretário de Estado das Infraestruturas [Notes:Hugo Santos Mendes] entendeu, face às circunstâncias, apresentar a sua demissão", esclareceu também o ministério.

Partidos chamam responsáveis à AR

O Bloco de Esquerda anunciou, a 3 de janeiro, que ia avançar com uma proposta de comissão de inquérito parlamentar sobre o controlo público e político da gestão da TAP, que o PS disse, entretanto, que vai viabilizar.

No dia seguinte, o grupo parlamentar do PS “chumbou” os requerimentos do PSD, PCP, BE e Chega para chamar a audições na Assembleia da República Pedro Nuno Santos, Fernando Medina, Alexandra Reis, o presidente do Conselho de Administração da TAP, Manuel Beja, e a presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener.

Consequentemente, o PSD apresentou um requerimento potestativo, para forçar a audição de Fernando Medina, que aconteceu logo no dia 6 de janeiro.

Na audição, o ministro das Finanças garantiu que Alexandra Reis não faz parte do seu grupo de amigos, depois de notícias que davam conta de uma alegada relação pessoal com a mulher de Fernando Medina, que foi diretora jurídica da TAP.

Adicionalmente, o governante disse que não foi "encontrado registo" no seu ministério sobre a indemnização recebida por Alexandra Reis, justificando a sua escolha para o Governo por ter um "currículo bem firmado na gestão pública portuguesa".

Por sua vez, o Chega apresentou um requerimento potestativo para audição da presidente executiva da TAP.

Indemnização é (só) mais um caso

Além da indemnização a Alexandra Reis, a TAP tem feito manchetes nos jornais por outros motivos. Lembra-se da contratação de uma amiga pessoal de Christine Ourmières-Widener para assumir a direção do departamento de melhoria contínua e sustentabilidade? E da intenção de substituir a frota de carros da empresa para administradores e diretores?

O negócio não andou para a frente, mas recentemente soube-se que a administração decidiu atribuir 450 euros aos diretores que não chegaram a receber carro, para usar numa plataforma eletrónica de transporte.

A par destes casos, as questões laborais - que têm dado origem a várias greves - a TAP continua em negociações com o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), para evitar uma nova paralisação de tripulantes no final deste mês.

A confirmar-se, esta nova greve entre os dias 25 e 31 deste mês, mais prejuízos vão somar-se aos acumulados em dezembro. Dois dias de paralisação tiveram um impacto de cerca de oito milhões de euros.

O que diz Costa? “Houve violação”

A 2 de janeiro, António Costa salientou, em conferência de imprensa, que a administração da TAP vai manter-se em funções.

"A TAP aí está a voar e brevemente vão dar boas notícias quando apresentar os resultados de 2022. Quanto à administração, está em funções e em funções se mantém", respondeu o líder do executivo, antes de se referir ao caso da indemnização.

Na semana seguinte, no debate sobre política geral, na Assembleia da República, o primeiro-ministro admitiu que a alienação do capital da TAP pode ser parcial ou total, um processo ainda em curso, mostrando-se seguro de que “a bandeira portuguesa continuará a decorar os aviões da companhia aérea”.

Na mesma ocasião, o primeiro-ministro considerou que Alexandra Reis violou o estatuto do gestor público quando foi nomeada para a NAV e não devolveu parte da indemnização que tinha recebido da TAP.

À espera do relatório

Enquanto se aguarda pelo relatório da IGF, o Correio da Manhã avançou, no final da semana passada, que a Parpública e a Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) não foram informadas, nem autorizaram o pagamento da indemnização a Alexandra Reis.

E no dia em que o Tribunal de Contas anunciou que vai avançar com uma auditoria, e na véspera de prestar esclarecimentos na AR, a CEO da TAP dava boas novas aos trabalhadores através de uma mensagem

"Estamos neste momento a trabalhar em soluções que nos permitam recompensar os trabalhadores por todos os esforços desenvolvidos e que permitam também mitigar o impacto da subida da inflação e que oportunamente serão partilhadas em primeira mão com os representantes dos trabalhadores", destacou a CEO da TAP.

Christine Ourmières-Widener reconhece ainda o "esforço" pedido aos trabalhadores com a redução da massa salarial e garante que já foram poupados mais de 150 milhões de euros em renegociações de contratos com terceiros, assegurando ainda que foram solucionados "diversos problemas", como o da ME Brasil.

"Mas o que até agora conseguimos atingir de resultados concretos, de objetivos cumpridos, aumenta ainda mais a nossa responsabilidade e dever de exigência, de estarmos abertos a um diálogo franco, aberto e construtivo em prol da sustentabilidade, crescimento e futuro da TAP", garante a CEO.

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