Gigantes de 9 anos
Tantas e tantas vezes que as nossas histórias, inventadas porque era hora de dormir e só estava a acesa a luz de presença, começavam assim. Só que desta vez não era noite nem estávamos em casa...
- "Era uma vez..." um menino ou uma menina?
- ... um menino!
- "Era uma vez um menino chamado...." Guilherme?
- Não!
- Manuel? Asdrúbal?
- Não! Não!!!
- Ai! Então, que nome havemos de dar à criança?
- Não é uma criança!
- Ok. Que nome queres que tenha e quantos anos tem?
- Pedro. E tem 9 anos!
- Mas esse é o teu nome e tu tens 9 anos!!
- E qual é o problema?!
- Olha, fazemos ao contrário hoje. Conta-me tu a história... que achas?
- Está bem...
"Era uma vez um menino chamado Pedro que tinha 9 anos e que era um adulto (no mundo dos gigantes, aos 9 anos já se é adulto). Esse Pedro e gostava muito de comer mas um dia a comida revoltou-se contra o seu terrível destino. O gigante Pedro ia passear todos os dias e, de cada vez que o gigante deixava a comida sozinha, os alimentos ganhavam vida. E todos tinham razão de queixa, pois estavam fartos. Fizeram uma reunião e a Tarte Silvestre anunciou:
- Estou farta de ver os meus parentes no forno!
- Estou tão zangada! Todos os dias vejo familiares a morrer! - reclamou a Madame Pipoca.
As queixas não tinham fim...
Até que surgiu um plano:
- Atenção comidas cidadãs! - falava à Tarte Silvestre - Antes do gigante voltar, iremos preparar uma partida que o fará deixar de gostar de comida!
Quando o gigante voltou, tudo estava a postos! Era só aguardar!
Mal o gigante Pedro" - adulto de 9 anos, não te esqueças!.... "Mal o gigante Pedro entrou, escorregou numa tarte, bateu contra o armário e de lá saíram 8 beringelas e 7 nozes ainda com casca e, por último, bateu com a cabeça num balde.
Então, assustado, o gigante fugiu e deixou a comida, para sempre, com vida."
- Acabou a história?
- Clarooo..
- E o gigante não morreu de fome?
- Não. Toda a gente sabe que ninguém morre de fome quando se está com soro no hospital.
- Ah, não sabia que o gigante tinha fugido para um hospital...
- Não sabes nada mamã.
- Verdade.
- Se soubesses como estou aborrecido aqui...
- Calculo.
- ... (silêncio)
- Tens jeito, podes escrever e fazer desenhos, sempre ajuda a passar o tempo...
- Mas não podes ver, só no fim...
- Está bem. Vou sair um bocado e aproveitar para pensar em museus que possamos visitar quando pudermos sair daqui. Já sabes, se ficares mal-disposto, carregas neste botão para chamar a enfermeira.
- Seiiiiiiii.....
No regresso...
- Fiz poemas, mamã!
- Poemas !?!? Ena! E já posso ver?
- Achas que dá para um livro?
- Não sei... É capaz de ser difícil... Mas posso ver ou não?
O Pedro criança de 9 anos e não o Pedro gigante adulto de 9 anos mostra os trabalhos....
- Primeiro este.
Leio o título: "ESTOU ABORRECIDO" e o meu coração treme...
Ui, ui, que virá daqui?
"Não tenho nada a haver
Nem o meu brinquedo robô.
Ele não sabe ler,
E eu não uso yô-yô.
Tudo não presta,
Nem a televisão...,
Então as tarefas,
Só trazem complicação.
A dormir ou acordado,
Tudo é uma seca...
Mesmo com cabelo,
Ou, então careca!
Estou aborrecido,
Não vou brincar!
Prefiro estar ferido,
Do que a estudar...
Os museus então,
São a pior parte...
É tudo junto,
Em aborrecimento e arte!
Agora tenho de ir,
É véspera de Natal.
O Pai Natal que se lixe!
Está preso no estendal...
- Bem, está muito giro e engraçado mas dá para ver que estavas mesmo chateado... Espero que tenhas outro mais animado...
"A Rua..."
Eu vivo numa Rua
Que alcança o pôr do sol
Acorda a lua
Gira o girassol
Eu vivi numa Rua
Tinha uma vizinha
Eu via-a nua
Que desgraça a minha
Eu vivia numa Rua
Onde viveu Charlot
Tomava banhos de água quente
Com o meu lindo champô
Eu viverei numa Rua
Onde dançarei sapateado
Não irei ao concurso
Não quererei ficar envergonhado
- Está espectacular! Parabéns!
E assim ficou uma mãe perplexa, sem saber de onde vieram estas ideias, sem saber o que fazer com algo que certamente não dará para um livro mas que talvez dê para assinalar hoje o dia do livro infantil com algo escrito não para uma criança, mas por uma criança: o Pedro, 9 anos, na altura em tratamentos no IPO de Lisboa, num dia bom - sim, num dia bom - porque não se queixava dores, febre, enjoos, para não falar de coisas piores... estava simplesmente aborrecido.
Vou perguntar-lhe não se importa que revele esta nossa história...
E que a dediquemos a todas as crianças.
Com Pedro