Muitas são as explicações sobre o aparecimento da festa das cores na Índia. Lá me foi dito que o "Holi Fest" existe há cinco mil anos e está ligado a crenças e a Deuses hindus.
Deuses que povoam, na alegria da cor ou na tristeza da morte, todo o quotidiano deste povo que vive num dos mais populosos e poluídos países do mundo.
A curiosidade e a perplexidade andam de mãos dadas nos olhares ocidentais sobre a Índia, seja na festa ou no luto, há sempre algo que nos faz parar para que possamos transformar o nosso espanto em resignação.
O "Holi Fest" é um festival que acontece todos os anos em dias específicos de fevereiro ou março; as datas são ditadas pelos ciclos da Lua, mas quase sempre, os dias mais intensos desta festa acontecem a partir de meados de março.
A alegria no lançamento das cores não nega a violência do próprio ato. Os torrões coloridos de pó, já bastante menos orgânico do que o usado há séculos, desfazem-se quando nos atingem, entrando invariavelmente pelos olhos e pela boca, deixando-nos sem ver e sem fôlego durante alguns minutos, sempre largos, para quem está aflito.
O festival, que celebra a chegada da Primavera, começa cedo e dura toda a manhã do dia "principal".
As ruas e os templos das cidades de Mathura e Vrindavan, as duas onde se vive mais esta tradição, servem de palco à dança, à cor e à água que é lançada de todo o lado.
Toda a gente, locais e turistas, são tratados da mesma forma; empurrões e cotoveladas convivem na mesma intensidade com beijos e abraços, numa espécie de êxtase que toma conta de todos durante algumas horas.
A viagem que liga a festa ao recolhimento e meditação, dura cerca de 20 horas de comboio e apresenta-nos aquela que, segundo o seu povo, mantém a marca de "cidade mais antiga do mundo".
Varanasi é onde toda a gente quer ir na vida ou na morte, assim me foi explicado, e nem precisava de ser; basta ver o "movimento espiritual" que ali acontece diariamente e depressa percebemos que estamos perante um mundo novo, onde a crença e a meditação fluem com o Ganges.
O rio leva tudo na corrente; tudo.
Há muito que o oxigénio abandonou as águas do Ganges, e apesar da política de limpeza dos rios que o governo indiano está a implementar agora, ainda não é possível ficar indiferente quando se vê gente a beber aquela água que dizem sagrada.
A água do Ganges encerra o mistério maior, e todos querem purificar-se, todas as madrugadas, todos os dias, durante séculos, naquelas águas que os invadem de amor, e, quem sabe, de outras eventuais doenças.
Varanasi é cada vez mais um lugar para turistas, isso percebe-se um pouco por toda a cidade, mas é à beira do rio que se concentram a maior parte das pessoas que querem ver e fotografar o dia-a-dia desta gente que está, cada vez mais, rendida à "invasão" ocidental.
Até os Shadus - homens santos - já esticam o braço depois da fotografia, na esperança que na mão lhe caiam uma Rupias, numa tentação que, até lhes pode manchar a alma, mas, certamente, confortará o corpo.
Fazem milhares de quilómetros para dar fim ao corpo dos familiares; é na fogueira que são cremados os mais puros. Os outros, os que não atingiram a "pureza" em vida, são lançados às águas do Ganges.
Os crematórios garantem a subida do espírito ao supremo, as cinzas que sobram da morte, são varridas para o rio. É proibido fotografar; dizem que é por respeito a não ser que se tenha autorização do governo, por dinheiro.
Da festa das cores até ao negro das cinzas, tudo está representado na Índia.
O bom, o mau e o tanto que existe pelo meio destes dois valores, estão à mercê de serem vistos, cheirados e sentidos neste pedaço de mundo que não deixa ninguém indiferente às suas particularidades.