Grande Reportagem SIC

“Eu já estou aqui há quatro meses”: histórias de quem vive em compasso de espera no hospital

Adelino Ferreira estava sozinho quando se sentiu mal. Valeu-lhe uma vizinha. Entrou de urgência no hospital e teve alta clínica em poucos dias. Mas passados quatro meses, continuava internado. Histórias de quem vive em compasso de espera.

Susana Bastos

"Essa vizinha tinha a minha chave e foi lá ver. Calhou! Há 3 dias que eu não aparecia e ela foi lá ver e eu tinha sangue na boca. Chamou logo o INEM e foi a minha salvação. Se ela me demorasse, se ela naquele dia não calhasse de lá ir, eu já tinha morrido".

Adelino deu entrada de urgência no Hospital de S. João. O problema de saúde foi tratado em poucos dias, mas passados quatro meses continuava internado porque o Serviço Social do hospital detetou que seria um risco deixá-lo regressar a casa.

Aos 81 anos de idade, a morar sozinho, Adelino tem alguns problemas de mobilidade e não tem retaguarda familiar. O único apoio ia sendo o Centro de Dia que, como o próprio nome indica, é uma resposta social que funciona no período diurno, de segunda a sexta-feira.

Faltam respostas sociais para os idosos

Sem recursos financeiros para contratar uma pessoa que o possa acompanhar em casa à noite e aos fins de semana, Adelino foi ficando no hospital à espera de uma solução para o problema.

Neste caso, a única resposta possível é a institucionalização num lar, ou como são designados agora, numa Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI). Uma decisão que não foi fácil de tomar. "Eu não queria", confessa. "Mas não tenho outra hipótese".

Nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde há cada vez mais internamentos inapropriados, como o de Adelino. São sobretudo idosos, física ou mentalmente debilitados, com recursos económicos insuficientes ou sem retaguarda familiar capaz de prestar auxílio.

A maioria aguarda por uma vaga em lar mas, sobretudo, por uma vaga na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados(RNCCI) dirigida a pessoas que já não precisam de estar no hospital mas que ainda necessitam de cuidados de saúde que não podem ser prestados no domicílio.

Internamentos indevidos ocupam camas nos cuidados continuados

A rede foi criada em 2006, com o objetivo de ter 16 mil camas no espaço de uma década. Quase 20 anos depois tem apenas 9500 camas e uma lista de espera com mais de 1300 pessoas. Desde 2021 várias unidades fecharam por não conseguirem suportar os custos.

José Bourdain, presidente Associação Nacional de Cuidados Continuados, questiona:

"Porque é que não nos dão os ovos para nós fazermos as omeletes? Isto não tem qualquer sentido. Imagine, estas 342 camas que fecharam, imagine o jeito que não davam agora com esta crise dos hospitais!".

A própria rede vê-se confrontada com os chamados "casos sociais", pessoas que ficam nas unidades para lá do tempo estipulado por falta de respostas sociais.

São pessoas que ficam num compasso de espera. "É como se fosse um relógio: tic-tac", diz Alexandra Duarte, diretora do Serviço Social do Hospital de São João. "O que não está correto. Se têm direito à saúde, se têm direito à educação, também deviam ter direito à proteção social", acrescenta.


Internamentos inapropriados aumentaram 60%

O sétimo barómetro da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) mostra que a 20 de março de 2023 havia 1675 pessoas internadas de forma inapropriada em 39 unidades hospitalares. É um aumento de 60% face ao mesmo mês do ano anterior.

Um número que representa quase 10% do total de internamentos e que pode ter significado um impacto financeiro de mais de 226 milhões de euros para o erário público. É o ponto de partida para a Grande Reportagem "Compasso de Espera".

FICHA TÉCNICA:
Jornalista: Susana Bastos
Imagem: João Pedro Tiago
Edição: Marisabel Neto
Grafismo: Fernando Ferreira
Colorista: Rui Branquinho
Pós-produção Áudio: Octaviano Rodrigues
Produção Editorial: Diana Matias
Coordenação: Miriam Alves
Direção: Marta Brito dos Reis e Ricardo Costa
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