Que Voz é Esta?

“Tudo mudou depois do tratamento com psicadélicos: a ansiedade desapareceu, deixei de me isolar e consegui voltar a falar com as pessoas”

Alguns psicadélicos têm revelado bons níveis de eficácia e segurança no tratamento de doença mental. Patrícia, 21 anos, toma escetamina, em conjunto com outra medicação antidepressiva, e os efeitos são visíveis. "Tudo mudou depois de iniciar o tratamento. A ansiedade e os mil pensamentos maus que tinha sempre na cabeça desapareceram. Parecia que estava finalmente em paz Deixei de me isolar e consegui voltar a falar com as pessoas". Mas é necessário estabelecer regras e normas de tratamento, que ainda não existem. Oiça aqui o novo episódio do podcast "Que Voz é Esta?", lançado no Dia Mundial da Saúde Mental

Que voz é esta?

No final de 2021, Patrícia, 21 anos e residente em Lisboa, pediu ajuda à Fundação Champalimaud, em Lisboa. O acompanhamento psiquiátrico que estava a receber naquele momento parecia não ser suficiente. Os sintomas depressivos permaneciam. Já tinha feito vários medicamentos e psicoterapia com diferentes terapeutas, mas pouco mudara. “Não me sentia nada apoiada e não podia continuar assim.”

Ainda nesse ano, foi integrada num ensaio clínico que a fundação se preparava para realizar em conjunto com dezenas de centros clínicos de diferentes países. O objetivo era avaliar a eficácia e segurança do spray nasal de escetamina (desenvolvido e comercializado pela farmacêutica Janssen), em combinação com um antidepressivo convencional.

Derivada da cetamina (um anestésico de uso hospitalar que induz estados de consciência semelhantes aos provocados por psicadélicos clássicos), a escetamina atua sobre o glutamato, uma molécula reconhecida por melhorar as conexões entre os neurónios, contribuindo assim para a diminuição dos sintomas depressivos.

"Tudo mudou depois de iniciar o tratamento. A ansiedade e os mil pensamentos maus que tinha sempre na cabeça desapareceram. Parecia que estava finalmente em paz. Deixei de me isolar e consegui voltar a falar com as pessoas".

Logo nas primeiras sessões de administração da escetamina, Patrícia (nome fictício a pedido da própria) sentiu melhorias. “É difícil descrever a sensação, mas a ansiedade e os mil pensamentos maus que tinha sempre na cabeça desapareceram. Parecia que estava finalmente em paz.” Voltava à casa, depois das sessões, "muito mais leve, como se fosse outra pessoa", conta em entrevista ao podcast "Que Voz é Esta"?, cujo episódio mais recente é sobre a utilização de psicadélicos na doença mental.

A jovem foi sendo avaliada em momentos previamente definidos - tal como os outros 675 participantes de diferentes países - tendo essas melhorias sido confirmadas a partir das escalas utilizadas no estudo.

"Houve realmente uma melhoria não só ao nível da redução de sintomas, como do ponto de vista da funcionalidade e qualidade de vida. Tanto na Patrícia como nos restantes participantes, o efeito da escetamina foi consistente e manteve-se no tempo", explica Albino Oliveira-Maia, diretor da Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud e coordenador do estudo em Portugal, igualmente convidado a participar no mais recente episódio do podcast.

A jovem continua a fazer tratamento com escetamina e descreve o que mudou na sua vida e como se sente hoje em dia. "Mudou tudo. Deixei de me isolar e consegui voltar a falar com as pessoas. Frequento o ensino superior e também retomei alguns 'hobbies', como ler, fazer desporto e ouvir música."

O potencial terapêutico dos psicadélicos na saúde mental é cada vez mais reconhecido a nível internacional e em Portugal também começa a fazer o seu caminho. Mas há questões que têm sido levantadas, sobretudo no que diz respeito à regulamentação destas substâncias e à definição de normas de tratamento.

Vários hospitais e clínicas privadas em Portugal já disponibilizam, por exemplo, terapias assistidas por cetamina, mas o tratamento varia de estrutura para estrutura - em termos do número de sessões, dose administrada, composição das equipas que realizam o tratamento, formação dos profissionais envolvidos, etc. Ainda não foram estabelecidas regras de aplicação geral.


Segundo Albino Oliveira-Maia, professor na Nova Medical School, “é importante envolver os profissionais na criação de uma estrutura que proteja as pessoas.” E que também proteja os tratamentos, “porque se causarem problemas que não conseguimos resolver, vão acabar por ser colocados em causa”. "Seria dramático que as pessoas deixassem de ter acesso a tratamentos que são úteis."

Psiquiatras e psicólogos/as, que são neste momento "os profissionais mais implicados" neste processo, "devem sentar-se à mesa, conversar, colaborar e emitir, posteriormente, recomendações", com o necessário contributo das estruturas éticas, porque estes tratamentos "colocam questões éticas muito difíceis".

“Que voz é esta?” é um novo podcast do Expresso dedicado à saúde mental. Todas as semanas, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento vão dar voz a quem vive com ansiedade, depressão, fobia ou outros problemas de saúde mental, e ouvir os mais reputados especialistas nestas áreas. Sem estigma nem rodeios, vão falar de doenças e sintomas, tratamentos e terapias, mas também de prevenção e das melhores estratégias para promover o bem-estar psicológico. O podcast conta com o apoio científico de José Miguel Caldas de Almeida, psiquiatra e ex-coordenador nacional para a saúde mental.


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