Era para ter sido um domingo como todos os outros. A família ia ao externato “Rumo ao Sucesso” em Brejos de Azeitão, no concelho de Setúbal, buscar o simão por algumas horas, mas a instituição informou-os que aquela já não era casa para o jovem.
“A meio do passeio, passado cerca de uma hora, liga-nos uma doutora do colégio a dizer que já não vão receber o Simão de volta, que ele não voltava a entrar no Externato. Retomámos ao colégio, tentámos fazer imensas chamadas e o que nos disseram é que nunca podiam abrir a porta, esta informação foi-nos dada pelo porteiro, pedimos para falar com alguém da direção, essa pessoa nunca apareceu. Entretanto acionamos a GNR e foi-nos dito que não havia nada que pudessem fazer, que não podiam abrir a porta”, relembra Inês Madeira, familiar de Simão Gonçalves.
Acabaram por receber, do porteiro, apenas um saco com a medicação diária, as receitas e os documentos. Os restantes pertences ainda não foram devolvidos. O Simão, de 20 anos, é autista. Não fala e segundo a última avaliação médica tem 70% de incapacidade. “É um menino que tem muitos comportamentos agressivos com a mãe e com a avó que era com quem ele habitava. Nos momentos em que ele tem crises, são necessários cinco enfermeiros e médicos para o segurar, para o conter", explica Inês.
Esta era a morada do Simão, há oito anos, depois de um longo processo. A medida de acolhimento foi decretada pela comissão de proteção de menores de Odivelas. Quando fez 18 anos, e devido ao grau de incapacidade, a família iniciou o processo de maior acompanhado para poder tomar as decisões de acordo com os direitos e deveres do Simão e foi a partir daí que começaram as pressões para que encontrassem outra instituição.
“No início do ano é que, durante as visitas, começaram a dizer que o Simão já era maior de idade e que talvez devêssemos procurar uma solução. Estávamos descansados porque tínhamos falado com o tribunal de Setúbal, tinhamos falado com advogados, e toda a gente nos garantiu que eles não poderiam tomar essa decisão”, explica Inês Madeira.
Não é a primeira vez que o externato recusa o regresso de utentes sem aviso formal
A filha de Edite foi comemorar o aniversário em casa no mês de julho e a partir desse dia as portas fecharam-se e não pôde lá voltar. “Trouxe medicação para meia dúzia de dias, trouxe roupa só para dois dias, e no dia 24 estávamos na festa de anos da Bruna quando me telefonaram da Rumo ao Sucesso a dizer que a Bruna não entrava mais.”
Edite já leu e releu o regulamento interno, mas ainda não percebe os motivos da expulsão. Foca-se na alínea que determina que a frequência destes alunos, apesar de transitória, mantém-se até que seja encontrada alternativa. Para a filha Bruna, que tem 90% de incapacidade e precisa de vigilância constante, não foi o caso.
“Eles nunca me notificaram que a Bruna tinha que sair da instituição e foi-me inclusivamente confirmado, numa reunião que tive com o advogado e com a direção da Rumo ao Sucesso em 2023, em março de 2023, continuaram-me sempre a dizer que ela iria ficar até aos 24 anos”,
"Ninguém quer prestar declarações"
Esta quinta-feira, depois de vários pedidos de esclarecimento sem resposta, a SIC voltou a Brejos de Azeitão. A visita não foi bem recebida. Por 3 vezes uma das carrinhas do externato fez rasias a alta velocidade junto à equipa de reportagem. A porta nunca se abriu e o contacto telefónico, teve o resultado de sempre: "ninguém quer prestar declarações”, disse a instituição ao telefone.
Pedimos explicações à CPCJ de Odivelas que diz que em Março remeteu o processo ao Ministério Público do Tribunal de Setúbal por indisponibilidade de meios: “cumpre-nos informar que em março esta CCPJ remeteu o processo ao Ministério Público do Tribunal de Setúbal por indisponibilidade de meios. Assim, o processo é acompanhado pelo tribunal”, lê-se na resposta.
O Tribunal de Setúbal respondeu que não pode ser prestada qualquer informação sobre o processo: “consigna-se que não será prestada qualquer informação nem poderão ser facultados elementos atinentes ao presente processo atento o caráter reservado dos presentes atos”, lê-se na resposta.
O Simão entrou em descompensação. Está internado na ala psiquiátrica do Hospital de Setúbal. A Bruna mantém-se em casa depois de vários episódios de sobressalto. Com as vidas em suspenso, as famílias não sabem mais o que fazer. Desesperadas, aguardam pela justiça e por alternativas.