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"Vamos parar debaixo da ponte": multiplicam-se as queixas dos imigrantes sobre a AIMA

O Governo apresenta esta segunda-feira o plano de ação para as migrações. A AIMA tem tentado dar resposta a milhares de casos pendentes herdados do SEF. Os atrasos na autorização de residência têm tido consequências na vida de milhares de imigrantes.

Catarina Coutinho

João Venda

Natural de São Tomé e Príncipe, Aguinalda veio viver para cá há quase uma década. Escolheu Portugal, depois de 18 anos em Angola. Mãe de 4 filhos, sem saber o que ia encontrar, veio sozinha, mas conseguiu trazer o mais novo três anos depois pelo reagrupamento familiar. Diz que “estava tudo a correr bem” e que “não tinha dificuldades”, até que houve a mudança do SEF para a AIMA.

"Graças a Deus tudo estava a correr bem, aqui em Portugal nunca tive dificuldades. Sempre trabalhei, desde que cheguei cá. Mas agora, com essa mudança do SEF para a AIMA, as coisas complicaram, porque daqui a bocado a minha residência vai expirar e eu não consigo renová-la".

A autorização de residência expira a 17 de julho e Aguinalda tem viagem marcada para São Tomé no dia 20. A tentar desde o início deste mês, ainda não conseguiu renovar o cartão.

"Tento ligar para a AIMA e eles não atendem. Tem um Apoio ao Imigrante no Catujal. Disseram que nem automaticamente nem por marcação estão a fazer. Fui uma vez para o Marquês de Pombal, saí de casa às quatro da manhã para ver se conseguia uma resposta positiva, ou uma declaração, pelo menos, que eu pudesse levar na mão para que não me complicassem a vida nem em São Tomé nem em Portugal. Está tudo cancelado, tudo fechado, não estão a fazer nada".

Tem medo de ir sem a documentação em dia e não conseguir voltar. "Eu espero que não aconteça. Tenho de voltar mesmo, porque o meu pequeno só tem 11 anos", confessa.

Há casos ainda mais graves

Aguinalda não é caso único, nem mesmo o mais grave. Há imigrantes há três ou quatro anos sem conseguir pedir a autorização e há mais de seis meses sem conseguir renová-la.

"A realidade é muito simples: uma pessoa, migrante, sem autorização de residência não tem acesso a nenhum direito social", afirma Larissa Nicolosi, da Associação Renovar a Mouraria, que acompanha muitas destas pessoas.

Cada técnica do CLAIM - Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes - faz aproximadamente 90 a 140 atendimentos por mês. Nos últimos três anos, atenderam e acompanharam nas entidades públicas mais de 900 pessoas.

400 mil casos herdados do SEF

Larissa é técnica jurista do CLAIM Mouraria e ajuda no processo de regularização. Diz que o problema da falta de vagas não é de agora.

“Nos 2 últimos anos do SEF houve mesmo um corte de vagas para vários artigos que constam da lei 23/2007, que é a lei dos estrangeiros. Que dá, digamos assim, as chaves para as autorizações de residência.”

Para dar vazão aos cerca de 400 mil casos pendentes vindos do SEF, a AIMA decidiu dar prioridade às manifestações de interesse sem resposta desde 2021, e ao reagrupamento familiar para crianças entre 5 e 15 anos.

Resolveu os problemas de acesso ao site, alargou o horário de atendimento e automatizou o processo de pagamento para as manifestações de interesse. Abriram algumas vagas para renovar autorização de residência no Instituto dos Registos e Notariado, e de forma automática pelo antigo site, mas que rapidamente esgotaram.

No entanto, problema vai além dos atrasos processuais. Há queixas quanto à falta de articulação entre serviços, alguns públicos.

AIMA não responde questões da SIC

As pessoas cuja autorização de residência expirou desde 24 de fevereiro de 2020 deviam estar protegidas pela lei, que diz que é válida até 30 de junho, e mesmo depois, desde que consigam provar que agendaram a renovação. Mas na prática não tem sido assim.

"As próprias entidades privadas, como os empregadores que muitas vezes não querem renovar um contrato de trabalho por conta da caducação do título, mesmo com aquela pessoa demonstrando que teve todo o esforço para fazer o pedido de agendamento", conta Larissa Nicolosi. "Se cada pessoa que tem a residência caducada for despedida, é o pior que fazem. Porque temos filhos e despesas para pagar. Vamos parar debaixo da ponte", lamenta Aguinalda.

A AIMA não respondeu às perguntas da SIC, mas tem estado em contacto com quem atua no terreno. Aos Centros Locais de Apoio à Integração de Migrantes, apresentou um plano para lidar com as milhares de pendências este ano.

A AIMA espera ter os casos que foram ficando para trás em dia até o verão de 2025.

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