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“Somos um país de mar, mas de costas viradas para ele”

Desde o início do mês, três pessoas, incluindo uma criança de 7 anos, morreram afogadas nas praias portuguesas. Um quarto banhista encontra-se desaparecido, em Ovar. Tragédias num “mar que ainda é de inverno”, alertam os tripulantes de embarcações salva-vidas.

ASPTESV

Cláudia Machado

O calor que surpreendeu os portugueses este mês, sobretudo durante a semana da Páscoa, ficou manchado por várias tragédias nas praias.

Em apenas dois dias - 5 e 6 de abril -, três banhistas, incluindo uma criança de sete anos, foram retirados sem vida do mar, em Sesimbra e Matosinhos.

Um jovem, de 25 anos, encontra-se desaparecido na praia de São Pedro de Maceda, em Ovar, desde dia 18. Estava com um amigo, que conseguiu salvar-se, quando a força das ondas lhe foi superior, arrastando-o.

Outras histórias houve com um desfecho feliz – como a de Érica, que passou mais de 20 horas à deriva em cima de uma prancha, ou dos quatro jovens resgatados em Carcavelos depois de serem apanhados por um agueiro.

Mas, para que os resgates sejam bem sucedidos ou para que as famílias possam fazer o luto, há quem arrisque a vida e enfrente “um mar de inverno”.

“Somos um país de mar, mas de costas viradas para ele”

Luís Gonçalves é o presidente da Associação Sócio-Profissional de Tripulantes de Embarcações Salva-Vidas (ASPTESV), que representa “mais de 50 % dos efetivos” e presta serviço na estação salva-vidas de Sesimbra.

Consegue, por isso, descrever com uma só palavra – “impotência” - como é que os operacionais que protagonizam este tipo de socorro se sentem perante cada tragédia no mar.

“Sentimo-nos impotentes face a este tipo de resgate. Ficamos sempre incrédulos como é que as pessoas arriscam a vida porque estamos ainda a falar de um mar de inverno”, assume, em declarações à SIC Notícias.

Para o representante, Portugal “é um país de mar, mas de costas viradas para ele”, que precisava de apostar mais “na educação” sobre este tema a partir da infância, “desde aulas de suporte básico de vida até explicações sobre, por exemplo, o que é um agueiro”.

“Andamos no mar a arriscar a vida, numa profissão com grande falta de investimento humano e material, e respondemos sempre com a maior brevidade possível às emergências, mas os banhistas precisam de ter mais consciência de que colocam a vida deles, mas também a de outros, em perigo”, alerta Luís Gonçalves.

No final de uma missão com “um final trágico”, resta-lhes analisar cada passo.

O objetivo é viver de consciência tranquilo de que fazemos o máximo para salvar uma vida. É com esse propósito que treinamos diariamente”, explica.

“Perda de vidas parece ser o motor do desenvolvimento do socorro em Portugal”

Os tripulantes das embarcações salva-vidas estão afetos ao Instituto de Socorro a Náufragos, que por sua vez é integrado na Autoridade Marítima Nacional, e têm como principal função o salvamento marítimo e o socorro a náufragos e banhistas.

A ASPTESV tem, ao longo dos anos, alertado para a falta de meios humanos, com contas feitas: em 29 estações (quatro destas temporárias e uma secundária) seriam esperados, no máximo, 198 operacionais, sendo que o mínimo operacional se fixa em 165 elementos. Acontece que, atualmente, há 102 operacionais distribuídos, mas só 82 estão no ativo.

A carreira de tripulante de embarcações salva-vidas tem sofrido muitas alterações nos últimos tempos, infelizmente sempre que há acidentes essas alterações avançam mais rápido. A perda de vidas humanas parece ser o motor do desenvolvimento do salvamento e socorro em Portugal. Embora o País atravesse uma crise, a segurança das pessoas não devia ser negociável ou posta em causa”, lamenta Luís Gonçalves.

O presidente da ASPTESV identifica, por isso, a falta de recursos humanos como um dos maiores problemas do setor, “provocada por uma carreira cada vez menos aliciante para os dias de hoje”, com um “vencimento base muito baixo, ausência de progressões há mais de 15 anos e sem qualquer tipo de subsídio”.

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