Opinião

Filmes em quarentena: "Roma, Cidade Aberta"

É um dos títulos fundamentais do neo-realismo italiano e, em boa verdade, da modernidade cinematográfica: “Roma, Cidade Aberta”, de Roberto Rossellini, está disponível para visionamento gratuito.

Anna Magnani em "Roma, Cidade Aberta": uma actriz notável, um clássico do cinema italiano

João Lopes

Várias entidades, individuais ou colectivas, realizadores e instituições ligadas ao cinema, têm estado a disponibilizar filmes em acesso gratuito. A distribuidora Leopardo Filmes, por exemplo, além dos seus títulos colocados em plataformas de aluguer, está também a oferecer a possibilidade de ver ou rever alguns outros filmes, por períodos limitados (48 horas), no site da Medeia Filmes — é uma “quarentena cinéfila”.

Assim, das 12h00 do dia 14 às 12h00 do dia 16, será possível encontrar um dos clássicos absolutos da produção italiana e, em boa verdade, de todo o cinema europeu: “Roma, Cidade Aberta” (1945), de Roberto Rossellini (1906-1977).

Foi um momento fulcral do neo-realismo, iniciando a chamada “Trilogia da Guerra” que Rossellini completaria com os também fundamentais “Paisà - Libertação” (1946) e “Alemanha, Ano Zero” (1948). Mas importa não reduzir o trabalho do mestre italiano à condição de “testemunho” histórico. Através dos dramas da Segunda Guerra Mundial e, em particular, das histórias de uma Itália ainda ocupada pelos nazis, deparamos com uma reinvenção do cinema clássico cujo desejo de realismo permanece absolutamente actual.

Encontramos em “Roma, Cidade Aberta” um núcleo de personagens da resistência, envolvendo também o padre Pietro, interpretado por Aldo Fabrizi, e essa personagem maior que a vida que é Pina, na arrebatadora composição de Anna Magnani. Combinando os actores profissionais com alguns amadores, Rossellini anunciava as possibilidades de uma linguagem realmente nova, liberta dos constrangimentos da técnica mais tradicional.

Os autores neo-realistas foram filmar para as ruas porque, afinal, os estúdios tinham sido destruídos pela guerra. Mas fizeram-no também para procurar uma verdade dos lugares e dos corpos que abriria as portas da modernidade cinematográfica. Por alguma razão, os cineastas na Nova Vaga francesa viam nos neo-realistas — e, muito em particular, no labor de Rossellini — uma decisiva inspiração. O cinema afirmava-se como uma arte vocacionada para a infinita complexidade do factor humano: 75 anos depois, os temas e as emoções de “Roma, Cidade Aberta” ecoam no nosso presente.

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