Investigadores europeus, incluindo portugueses, estão a utilizar inteligência artificial para revolucionar a previsão de incêndios florestais.
O Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a Médio Prazo desenvolveu um novo modelo chamado "Probabilidade de Incêndio", que utiliza machine learning para analisar grandes volumes de dados e prever com maior precisão onde o fogo pode começar.
Em Portugal, a inteligência artificial é colocada ao serviço da prevenção dos fogos com o projeto "Floresta Limpa" desenvolvido por investigadores da NOVA FCT, que monitoriza a limpeza das faixas de gestão de combustível.
Prever o local exato onde pode deflagrar um incêndio
A inteligência artificial está a revolucionar a previsão de incêndios florestais, permitindo uma avaliação mais precisa do risco, não apenas com base nas condições meteorológicas, mas também em fatores como a quantidade de vegetação disponível para arder e as potenciais fontes de ignição.
O modelo desenvolvido por cientistas do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a Médio Prazo (ECMWF) promete identificar com maior rigor os locais com mais potencial para arder.
É mais do que prever perigo: é apontar o local exato onde pode deflagrar um incêndio.
"De certa forma, é uma mudança radical na previsão de incêndios, porque passamos de sugerir onde pode ocorrer perigo de incêndio, para dizer: é aqui que pensamos que os incêndios vão realmente ocorrer. Por isso, é um grande avanço", disse à Reuters o cientista climático do ECMWFJoe McNorton
Um modelo inteligente para prever incêndios
O Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a Médio Prazo (ECMWF) desenvolveu um novo modelo designado Probabilidade de Incêndio, que recorre à aprendizagem automática (machine learning) para analisar grandes volumes de dados e prever com maior precisão onde o fogo pode começar.
As previsões atuais baseiam-se no Índice Meteorológico de Incêndios, um sistema que considera quatro variáveis: temperatura, vento, precipitação e humidade. No entanto, este método apresenta várias limitações, explicou Joe McNorton.
"Historicamente, para prever incêndios florestais, utilizamos aquilo a que chamamos o Índice Meteorológico de Incêndio. Trata-se de um modelo simples, baseado na física, que recorre a quatro variáveis meteorológicas - temperatura, vento, precipitação e humidade - para prever, caso um incêndio aconteça, qual será a sua intensidade. Mas sabemos que este modelo deixa de fora muitos fatores importantes - não tem em conta o combustível, não tem em conta as fontes de ignição", referiu o cientista.
Ao integrar dados sobre a vegetação presente - o combustível - e sobre possíveis fontes de ignição, como relâmpagos ou atividade humana, o modelo do ECMWF consegue ir além da simples identificação de perigo - passa a indicar a probabilidade real de um incêndio começar num local específico.
" Com tudo isto, conseguimos prever não só o perigo de incêndio, mas a probabilidade real de um fogo começar num local específico", sublinhou McNorton.
Novo modelo previu início do fogo em Los Angeles
Um dos exemplos recentes mais marcantes ocorreu em janeiro em Los Angeles, quando incêndios florestais mataram 28 pessoas e destruíram cerca de 16 mil estruturas.
A cientista principal do ECMWF, Francesca Di Giuseppe, explicou como o novo modelo conseguiu prever com grande precisão as zonas mais afetadas.
"Por exemplo, num caso recente em Los Angeles, o incêndio começou mesmo na zona de transição entre a área urbana e a floresta, o que tornou a situação particularmente grave. Isto porque a estação anterior tinha sido marcada por condições muito húmidas, que levaram a um crescimento abundante de vegetação - ou seja, de combustível - que acabou por arder durante o incêndio"..
Este novo método, baseado na probabilidade de ocorrência de incêndio, "incorpora a ‘memória’ dessa abundância de combustível na sua formulação, o que nos permitiu identificar as regiões que poderiam ser mais severamente afetadas - ao contrário de modelos que consideram apenas as condições meteorológicas. Por isso, neste caso, a nossa previsão foi muito mais precisa e conseguiu mesmo indicar o local exato, muito perto de Los Angeles, onde o fogo acabou por deflagrar", disse.
As condições meteorológicas contribuíram para o agravamento da situação: chuvas invulgares no período anterior fizeram crescer vegetação em excesso, que se tornou altamente inflamável quando o inverno chegou com temperaturas anormalmente secas.
Monitorizar a limpeza das faixas de gestão de combustível
Em Portugal, a Inteligência Artificial também é colocada ao serviço da prevenção de incêndios.
O projeto Floresta Limpa, coordenado pelo NOVA LINCS da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, aposta na vigilância contínua das faixas de gestão de combustível (FGCI), recorrendo a inteligência artificial e algoritmos de aprendizagem automática para detetar falhas e monitorizar a evolução do material combustível. A plataforma avalia de forma automática o cumprimento da legislação que obriga à limpeza destas zonas para travar a propagação de incêndios.
Uma das principais inovações é a aplicação móvel para autarquias e população relatarem, consultarem e acompanharem o estado de limpeza das FGCI em concelhos como Almada, Mação e Santarém, com a ambição de alargar a cobertura a todo o território nacional.
O sistema integra dados de satélite, nomeadamente padrões de índices de vegetação, e permite recolher informação atualizada e fiável sobre o estado das faixas, ajudando a planear ações de limpeza e reforçando a fiscalização.
O ano mais quente de sempre agravou os incêndios
Em 2024, os níveis recorde de gases com efeito de estufa contribuíram para o ano mais quente de que há registo, com eventos meteorológicos extremos a afetar vários continentes. Os incêndios florestais forçaram a deslocação de 800 mil pessoas, o número mais elevado desde o início da recolha sistemática de dados, em 2008.