Mundo

Histórias de Maidan: soldado ucraniano recorre ao humor para lidar com dias difíceis

A correspondente da SIC, na Ucrânia, mostra-nos, agora, a história de alguns dos manifestantes que estiveram na praça de Maidan, em 2013.

Iryna Shev

Passam-se 10 anos sobre o início do protesto dos estudantes ucranianos contra a decisão tomada pelo presidente da altura de recusar a aproximação do país à União Europeia.

Seguiu-se a anexação da Crimeia pela Rússia e o conflito no Donbass, que culminou na guerra que o país vive agora. A correspondente da SIC, na Ucrânia, mostra-nos, agora, a história de alguns dos manifestantes que estiveram na praça de Maidan, em 2013.

Sasha estava com pressa. Queria ir para casa ter com os filhos e com a mulher.

“A minha mulher sabia que eu vinha a casa. Falei com ela sobre isso, disse-lhe que podia ter umas férias. Podiam ser canceladas, podiam ser adiadas ou antecipadas, porque é o exército, em qualquer momento tudo pode mudar. Mas os meus filhos não sabiam que eu vinha. Não lhes disse nada, caso a minha viagem fosse cancelada, para eles não ficarem tristes”, contou, à SIC, Sasha.

Antes da invasão em larga escala, Sasha trabalhava como repórter de imagem para um canal de notícias. Há 10 anos, com a câmara ao ombro, passou longos meses a filmar a Revolução da Dignidade.

“Eu vi como enrolavam, às granadas de gás lacrimogéneo, pregos, parafusos, para aleijar as pessoas que estavam lá. Nós estávamos próximos dos polícias. Um pequeno grupo de jornalistas, que não dá para confundir. Todos com coletes, com câmaras, com microfones, e a polícia atirava-nos granadas aos pés. Porque a polícia também nos odeia. Porque os jornalistas lutam pela verdade e a nossa polícia, naquela altura, era muito corrupta e obviamente não gostava de jornalistas porque os jornalistas enfiavam-se onde eles não queriam”, explicou.

As imagens captadas pelos jornalistas percorreram o mundo. Milhares de ucranianos ocuparam o centro de Kyiv. Exigiam a demissão do Governo. Aquilo que passou a ser conhecido como a Revolução da Dignidade, começou como uma manifestação de universitários.

A 21 de novembro de 2013, um grupo de estudantes saiu à rua para protestar contra a decisão de Viktor Yanukovitch. Apesar das promessas feitas, o presidente da altura tinha recusado assinar um acordo de aproximação com a União Europeia. Os jovens ucranianos sentiram-se traídos.

Quando os estudantes estavam prestes a desistir do protesto, foram atacados pelas forças especiais da polícia ucraniana, chamadas Berkut. A violência enfureceu a população. A manifestação transformou-se numa luta pela justiça, na qual morreram mais de 100 pessoas.

O que começou em 2013 continua a decorrer?

Mykhaylo Wynnyckyj é atualmente vice-ministro da educação e professor de sociologia numa das universidades de Kiev. Descendente de ucranianos, nasceu e cresceu no Canadá. Esteve praticamente todos os dias nas manifestações de Maidan, onde assumiu o papel de cronista e mais tarde publicou um livro sobre os conturbados dias da capital. A teoria de Wynnyckyj é que a Revolução que começou em 2013 continua a decorrer.

Os protestos de Maidan levaram à fuga do antigo Presidente para a Rússia. A seguir, em março de 2014, Moscovo anexou a península da Crimeia. Semanas depois, começou o conflito no Donbass. Em fevereiro de 2022, teve início a invasão em larga escala.

“Em primeiro lugar, estamos a lutar pela nossa vida, pela vida dos nossos amigos, filhos e famílias. Mas acontece que nós estamos à frente e a Europa está na retaguarda. E se nós perdermos, aqueles que estão na retaguarda nem percebem que isso vai tocá-los. Vai tocá-los inequivocamente”, afirmou Sasha.

E contou o que faz para tentar proteger a sua saúde mental.

“A melhor proteção para a mente, para não ires abaixo, é o humor. Sim, estamo-nos sempre a rir, estamos sempre a dizer piadas, porque isso é o melhor remédio para não enlouquecermos.”

A Comissão Europeia recomendou, no início do mês, a abertura de negociações de adesão da Ucrânia à União Europeia. A decisão está nas mãos dos 27 chefes de Estado do bloco e deverá ser conhecida em meados de dezembro.

Se todos votarem a favor, a Ucrânia poderá vir a ser aceite na família europeia, propósito pelo qual um grupo de estudantes saiu à rua, em Kiev, há 10 anos.

Últimas