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Dois generais em luta pelo poder: 200 mortos em quatro dias de combates no Sudão

No quarto dia do mais recente conflito no Sudão os combates intensificam-se entre as duas fações militares. Há hospitais bombardeados e quase 200 civis mortos. O aeroporto de Cartum foi atingido e vários aviões ficaram destruídos. A comunidade internacional apela a um cessar-fogo imediato.

Catarina Solano de Almeida

Ana Isabel Pinto

Nos céus de Cartum, os aviões do exército do general Abdel Fattah al-Burhane, líder de facto do país desde o golpe de Estado de 2021, tentam escapar aos incessantes disparos dos blindados dos paramilitares das Forças de Apoio Rápido (RSF ) do general Mohamed Hamdane Daglo, conhecido como “Hemedti”, número 2 do golpe de Estado tornado agora inimigo desde sábado.

Há quatro dias que os combates e os bombardeamentos são incessantes. Já morreram pelo menos 185 pessoas, de acordo com a ONU, e várias ONG e agências da ONU já suspenderam a ajuda. Num país onde a fome atinge mais de um em cada três habitantes, organizações humanitárias e a diplomacia externa no país dizem que já não conseguem trabalhar.

A 15 de abril, três funcionários do Programa Alimentar Mundial (PAM) foram mortos durante confrontos que irromperem no meio de combates entre o exército e paramilitares e as reservas de ajuda alimentar foram saqueadas em Darfur (oeste). Na segunda-feira, um comboio diplomático americano foi atacado e o embaixador da União Europeia foi "atacado na sua residência" em Cartum.

De acordo com os dados da ONU, há mais de 1.800 feridos, a maioria nem consegue chegar aos hospitais por correrem o risco de serem atingidos por balas ou bombardeamentos que militares e paramilitares realizam no coração da área residencial de Cartum e subúrbios.

Os habitantes permanecem fechados em casa, sem eletricidade e sem água corrente, e veem as reservas de alimentos a esgotar. As poucas lojas abertas avisam que os stocks vão acabar muito em breve.

Em Darfur, bastião dos paramilitares liderados pelo general Daglo e de milhares de seus homens que cometeram atrocidades durante a guerra iniciada em 2003, a situação também é dramática.

A organização Médicos sem Fronteiras (MSF) afirma ter recebido 136 feridos em dois dias no seu último hospital a funcionar no norte de Darfur.

“A maioria são civis baleados, inclusive muitas crianças”, relata a ONG. "Onze morreram" por falta de equipamentos e pessoal.

Cartum, que foi poupada durante os longos anos de guerra contra grupos rebeldes em todo o país, é um campo de batalha desde sábado. Tanto o Exército como os paramilitares têm quartéis-generais na capital, sobre os quais está sempre visível um espesso fumo negro que se ergue nos céus.

É impossível saber quem controla o quê. Ambos os lados reivindicam o controlo do aeroporto, do palácio presidencial e do quartel-general do Estado-maior.

Comunidade internacional pede fim dos combates

Os ministros dos Negócios Estrangeiros do G7 pedem um fim "imediato" das hostilidades, mas os apelos para uma trégua estão a ser ignorados pelos dois generais que lutam pelo poder.

O G7, a ONU e os Estados Unidos voltaram a pedir aos dois generais nas últimas horas que "cessem imediatamente as hostilidades" que podem ser "devastadoras para o país e toda a região".

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, falou com os dois generais na terça-feira. “Muitos civis já perderam as suas vidas", disse sublinhando “a importância de garantir a segurança do pessoal diplomático e dos trabalhadores humanitários”.

Conflito latente entre os dois generais outrora do mesmo lado

O conflito estava latente há semanas entre o general Burhane e o general Daglo e os dois homens parecem não querer recuar nessa guerra que se tornou "existencial" para ambos os campos

Durante semanas, os 45 milhões de sudaneses viram, ansiosos, aumentar o fosso entre o comandante do exército, Burhane, e o seu antigo número dois, Daglo, chefe das Forças de Apoio rápido (FSR ).

O conflito latente explodiu quando os dois generais foram forçados a anunciar um plano de integrar as FSR nas tropas regulares. Incapazes de chegarem a um acordo sobre um calendário e as condições de recrutamento, deixaram as armas falar.

Os dois beligerantes culpam-se mutuamente pelo início das hostilidades e continuam a anunciar novas vitórias sem que nenhuma fonte independente o possa confirmar ou desmentir.

O Exército denuncia "um golpe de Estado" por parte de "rebeldes apoiados por estrangeiros".

O general Daglo diz que luta "pela liberdade, justiça e democracia".

Este era o slogan da "revolução" de 2019, entoado na rua por ativistas pró-democracia que querem acabar com o poderio militar - quase uma constante no Sudão desde a independência em 1956.

Com agências

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