Guerra Rússia-Ucrânia

Os Acordos de Minsk “morreram”: porque é que eram importantes?

Sete anos depois de celebrados, ainda não tinham saído do papel, mas eram a luz ao fundo do túnel para evitar um conflito na Europa.

Os Acordos de Minsk eram a “luz ao fundo do túnel” para evitar um conflito na Europa, a base para negociações entre a Rússia e a Ucrânia sobre os territórios separatistas. Deixaram de ser opção, esta segunda-feira, depois de o Presidente da Rússia reconhecer a independência de Lugansk e Donetsk, territórios separatistas pró-Rússia no leste da Ucrânia. Vladimir Putin veio dizer, um dia depois, que os Acordos de Minsk “já não existem”.

Sete anos depois de celebrados e com interpretações diferentes de ambas as partes, os Acordos de Minsk ainda não tinham saído do papel. Celebrados em 2015, iam estabelecer um estatuto político próprio para os dois territórios que desse garantias de paz na Europa.

A Ucrânia concedia autonomia às duas regiões separatistas – Donetsk e Lugansk – em troca da recuperação da fronteira leste, com a Rússia. Este cenário nunca aconteceu. Na verdade, conseguiram apenas uma redução da intensidade dos combates, com mudanças e conflitos constantes.

Chamam-se Acordos de Minsk porque foram assinados depois de 17 horas de conversações em Minsk, capital da Bielorrússia. Surgem depois da anexação da Crimeia e da guerra civil de Donbass, no leste da Ucrânia em 2014.

Interpretações diferentes

A Rússia e a Ucrânia tinham, desde logo, interpretações diferentes em relação ao protocolo. Para Kiev, os territórios estavam apenas “temporariamente ocupados”. Para Moscovo, eram repúblicas com vontade de se virarem para leste.

Ambos previam que a Ucrânia concedesse às regiões separatistas uma autonomia e um estatuto especial. Só que estes compromissos esbarram naquilo que Rússia e Ucrânia entendem por autonomia. 

A Rússia considera que as repúblicas de Donetsk e Lugansk devem ter, por exemplo, direito de veto em questões importantes, como é o caso dos pedidos de adesão à NATO ou à União Europeia, passos que a Rússia não quer que a Ucrânia dê. Moscovo entende até que dessa autonomia faz farte a celebração de acordos com estados estrangeiros. 

A Ucrânia entende que isso é ir longe demais e uma intromissão na autonomia de um país livre e independente como é a Ucrânia. Por outro lado, o governo de Kiev faz exigências como o desarmamento das milícias pró-Rússia e o controlo das fronteiras pelo estado central, o que, no terreno, não acontece. 

O Acordo Minsk 1

Na guerra entre tropas ucranianas e rebeldes pró-russos, em 2014, nas duas regiões de Donbass – Donetsk e Lugansk -, morreram mais de 14 mil pessoas e mais de um milhão ficaram deslocadas. Milhares de soldados russos entraram no conflito, provocando pesadas baixas nos adversários.

O Acordo Minsk 1, assinado em setembro de 2014, estabelecia um cessar-fogo entre o exército ucraniano e os separatistas russos. Tinha 12 pontos, que não foram respeitados. O acordo de paz foi proposto pelo Presidente da Ucrânia na altura, Petro Poroshenko. Incluía uma “zona-tampão” na fronteira que impedisse o abastecimento russo.

A capital da Bielorrússia, Minsk, foi palco das negociações que resultaram no acordo.

O acordo previa um cessar-fogo, troca de prisioneiros, distribuição de ajuda humanitária e retirada de armas pesadas. No entanto, a Rússia também impôs condições: diálogo, eleições locais e a adoção de uma lei sobre o estatuto especial das duas regiões que tinham proclamado a independência (nenhum país a reconheceu) e que descentralizava o poder em Lugansk e Donetsk.

Houve troca de prisioneiros e uma redução temporária do conflito. No entanto, o acordo fracassou, com constantes violações de ambas as partes.

O Acordo Minsk 2

O Acordo Minsk 2 foi discutido e assinado a 12 de fevereiro de 2015, depois de pesadas baixas nas tropas da Ucrânia. Por isso, as autoridades ucranianas falam em pressão para alcançar uma solução rápida.

Pretendia acabar com os combates em Donbass e reintegrar as regiões separatistas apoiadas pela Rússia. Foi firmado entre a Rússia, a Ucrânia, Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e líderes separatistas, sob mediação de França, com François Hollande, Presidente francês, e da Alemanha, com Angela Merkel, chanceler alemã.

Em 13 pontos, o acordo previa uma nova Constituição ucraniana, com a descentralização de Donetsk e Lugansk, o direito à “autodeterminação linguística”, a nomeação de procuradores e juízes, a intervenção de autoridades locais e a cooperação entre regiões ocupadas. Estavam ainda previstas eleições locais. Em contrapartida, a Ucrânia tinha de retomar o controlo da fronteira com a Rússia.

“Acordo de paz de Minsk já não existe”

O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, disse esta terça-feira que o Acordo de Minsk, em relação ao leste da Ucrânia, já não existe.

“O acordo de paz de Minsk já não existe, não há mais nada para cumprir“, afirmou.

Putin referiu que o acordo de paz foi “violado pela Ucrânia” muito antes da decisão da Rússia de reconhecer as duas regiões separatistas.

O que dizem alguns líderes mundiais

A União Europeia (UE) condenou o que considerou uma “grave violação” do direito internacional, após o Presidente russo reconhecer a independência dos territórios separatistas pró-Rússia, e garante uma resposta ocidental “com unidade e firmeza”.

“O reconhecimento dos dois territórios separatistas na Ucrânia é uma violação flagrante do direito internacional, da integridade territorial da Ucrânia e dos acordos de Minsk”, reagiram os presidentes do Conselho Europeu, Charles Michel, e da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. 

O chanceler alemão, Olaf Scholz, diz que a decisão trata-se de uma “rutura unilateral” dos Acordos de Minsk. A Alemanha tem estado em conversas de emergência com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, o Presidente francês, Emmanuel Macron, e os “parceiros mais próximos”.

Horacio Villalobos#Corbis/Corbis via Getty Image

Em Portugal, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, diz que a decisão violou os Acordos de Minsk e acrescentou:

“Importa esperar pelas deliberações europeias e depois, eventualmente, o Governo português e Portugal e os demais países pronunciar-se-ão sobre aquilo que foi decidido ser uma decisão europeia, embora em conjugação com os EUA, Reino Unido e Canadá”.

Já o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, referiu que a União Europeia vai impor à Rússia “um primeiro pacote de sanções económicas e financeiras por “flagrante violação do direito internacional”.

A decisão foi tomada numa reunião dos chefes da diplomacia da UE, convocada pelo Alto Representante da UE para a Política Externa e de Segurança, Josep Borrell. Destinava-se a dar as orientações necessárias aos embaixadores dos 27 em Bruxelas.

O Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, considou “bizarro” o reconhecimento da independência das regiões de Donetsk e Lugansk e anunciou que vai aplicar sanções à Rússia e às elites políticas russas.

“Quem é que o Putin pensa que é para achar que tem o direito de declarar novos auto-proclamados países em territórios que pertence aos seus vizinhos? Isto é uma violação clara da Lei Internacional e merece uma resposta firme da comunidade internacional”, afirmou.

Já o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e o Presidente francês, Emmanuel Macron, vão continuar a “trabalhar em conjunto” para aplicar sanções a interesses russos.

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Especial Conflito Rússia-Ucrânia

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