O subsecretário-geral da Organização Nações Unidas (ONU), Jorge Moreira da Silva, acusa, em entrevista à SIC Notícias, Israel de estar a utilizar a distribuição de ajuda humanitária, tarefa que deixou de pertencer à ONU, para deslocar os palestinianos para apenas "dois ou três pontos" da Faixa de Gaza
O subsecretário-geral das Nações Unidas começa por reconhecer que a forma de distribuição da ajuda humanitária, em Gaza, funciona “em paralelo e de uma forma muito associada às operações militares” israelitas.
Jorge Moreira da Silva afirma que a ONU entende que Israel deve deixar de distribuir ajuda humanitária através de mecanismos próprios, permitindo que o organismo volte a assumir as rédeas da operação.
“Ora, o que é que nós assistimos nas últimas semanas? Assistimos à distribuição de ajuda caótica, absolutamente caótica, uma concentração de ajuda em dois ou três pontos em vez de uma distribuição que abrangesse toda a faixa de Gaza”, expõe.
O subsecretário explica que os habitantes do enclave estão “desesperados e esfomeados” e, a partir do momento em que a distribuição é feita em apenas “dois ou tês pontos”, deslocam-se e concentram-se nesses poucos locais.
“Esse fator de convocatória das pessoas para o seu deslocamento forçado para o sítio onde estavam a decorrer as operações de ajuda permitiu que Israel desencadeasse as operações militares nos sítios que, entretanto, as pessoas foram libertando”, denuncia.
Israel “utilizou distribuição da ajuda como fator de deslocamento forçado”
Recusando “ir mais longe do que isto”, Jorge Moreira da Silva afirma que a distribuição da ajuda humanitária “não pode ser enquadrada numa operação militar e não pode ser enquadrada numa perspetiva privatizada”.
Sublinha ainda que, ao substituir a ONU por mecanismo próprios, Israel “utilizou a distribuição da ajuda como um fator de discriminação e de deslocamento forçado”.
O subsecretário da Organização das Nações Unidas garante também que Telavive foi responsável pela morte de 1.000 palestinianos que aguardavam por ajuda humanitária.
“Nós estamos todos lá e nós sabemos o que está a acontecer. Eu estive em Gaza duas vezes e vi, infelizmente, a desesperança, a tragédia que se assola sobre as crianças”, lamenta.
“Uma em cada três pessoas não come há vários dias”
Nota que tem havido progressos no que à entrega de combustíveis e alimentos por parte da ONU diz respeito, uma cedência israelita motivada, garante, pela “pressão” internacional.
“É importante que se tenha noção que a pressão funciona e que este sobressalto cívico da sociedade civil, a pressão política que se vai exercendo, funciona”, acrescenta.
A título de exemplo da situação “caótica” que se vive em Gaza, o responsável das Nações Unidas lembra que “uma em cada três pessoas não come há vários dias”.
Insiste na ideia de que é essencial continuar a colocar pressão sobre a nação israelita, algo que pode ser feito também através do reconhecimento do Estado da Palestina por parte dos países:
“Há muitos anos está previsto no contexto das Nações Unidas. Portanto, não é uma novidade, é apenas algo que precisa de ser materializado.”
Entende, no entanto, que a discussão em torno do reconhecimento deste Estado não deve servir de “álibi para não avançar no resto”:
“Garantir que a ajuda humanitária possa chegar a quem mais precisa, que os civis não são atacados, que as infraestruturas civis, nomeadamente escolas e hospitais, não continuam a ser destruídos."
Por fim, apela a que os países “se despachem e avancem na vertente diplomática”.