O Presidente da República dirigiu, esta quinta-feira, uma palavra especial às vítimas dos abusos sexuais na Igreja Católica portuguesa, garantindo que a sua intenção com as declarações que proferiu não foi ofendê-las. Também às “centenas” de portugueses, que lhe enviaram mensagens, à comunicação social e a alguns políticos, Marcelo deixou uma mensagem.
“A minha intenção não foi ofender quando disse o que disse. Mas, se porventura, uma das vítimas que seja se sentiu ofendida, peço desculpa por isso. Não era esse o meu objetivo, era precisamente o contrário por temer que muitas vítimas por medo, por limitação, não tivessem falado e o número que deveria ser ainda mais alto tivesse ficado por onde ficou [424 casos]”, disse aos jornalistas à saída da Gulbenkian, em Lisboa.
Marcelo deixou também uma “segunda palavra” aos portugueses para “agradecer as centenas, centenas, centenas de mensagens que recebi nos últimos dois dias” e que mostraram conhecer os seus ”sete anos do mandato" e que, portanto, "sabem que as causas sociais dos pobres, dos explorados, dependentes, dos abusados, são as minhas causas sociais".
A terceira, e última, palavra foi dirigida pelo chefe de Estado em especial à comunicação social mas também para “aqueles que no mundo político formularam os seus juízos sobre aquilo que eu disse, uns concordando outros discordando”, a quem garantiu “que o Presidente cá está e vai continuar”.
“Em democracia é fundamental o trabalho da comunicação social. Repito, tendo trabalhado na comunicação social, tendo sido dirigente partidário, tendo exercido outras funções políticas, faz parte da democracia o espírito crítico, a abertura, o não haver as censuras próprias da ditadura. Neste quadro queria garantir aos portugueses e a todos quantos os servem - na comunicação social, nos movimentos sociais, nos partidos políticos - que o Presidente cá está, vai continuar o seu caminho exatamente como sempre foi, sem mudar uma vírgula nos valores, nos princípios, na determinação sempre, sempre ao serviços dos portugueses e de Portugal”.
Os jornalistas questionaram ainda o Presidente Marcelo sobre a solidariedade do primeiro-ministro, mas a resposta foi apenas “está dito, está dito”. Até porque, justificou, a ex-chanceler alemã, Angela Merkel, já o aguardava para uma condecoração e almoço no Palácio de Belém.
De lembrar que Bloco de Esquerda, Iniciativa Liberal e o Chega defenderam deste o início desta polémica que o Presidente Marcelo devia endereçar um pedido de desculpas às vítimas dos abusos sexuais na Igreja.
O que nos trouxe aqui, às desculpas de Marcelo
Ao final da manhã desta terça-feira, a Comissão Independente, que está a investigar denúncias de casos de abusos sexuais de menores na Igreja Católica portuguesa divulgou um novo balanço, dando conta de que há 424 depoimentos em análise, alguns dos quais já no Ministério Público ou a caminho.
Durante a tarde desse dia, à margem de um evento no Palácio de Belém, Marcelo foi questionado pelos jornalistas sobre se o número o surpreende, tendo respondido assim:
"Há queixas que vêm de pessoas de 90/80 anos que denunciam o que sofreram há 60, 70 ou 80 anos. O que significa que estamos perante um universo de milhões de jovens ou muitas centenas de milhares de jovens que se relacionam com a Igreja Católica, pelo que haver 400 casos não me parece particularmente elevado. Noutros países e com horizontes mais pequenos houve milhares de casos”
O Bloco de Esquerda, pela voz do líder parlamentar Pedro Filipe Soares foi o primeiro a criticar, classificando as palavras de Marcelo “como um insulto às vítimas”. Indignação que depressa se estendeu a outros partidos. Apesar de Marcelo ter emitido uma nota na Presidência da República e de ter dado entrevistas à RTP e à SIC, de pouco valeu.
No dia seguinte, a polémica continuou a dar que falar, tendo até dominado as audiências dos partidos no Palácio de Belém, cujo tema principal deveria ser a proposta de Orçamento do Estado.