Numa altura em que “Assassinos da Lua das Flores”, o mais recente filme de Martin Scorsese, continua a ser um dos grandes acontecimentos da atualidade cinematográfica — há mesmo analistas americanos que o encaram como o mais forte candidato aos Óscares a atribuir em 2024 —, vale a pena revisitarmos mais um título daquele que é, afinal, um dos mestres da produção americana do último meio século.
Assim, graças ao streaming, podemos ver ou rever “O Cabo do Medo”, produção de 1991 que, em boa verdade, não estava destinada a Scorsese. Como acontece com frequência na indústria de Hollywood, o argumento foi sendo desenvolvido com um realizador que, a certa altura, confirma ou não o seu empenho em concretizar o projecto… Pois bem, desta vez esse primeiro realizador envolvido foi Steven Spielberg, acabando por ser ele próprio que convocou o seu amigo Scorsese, considerando que aquele material seria mais adequado à sua visão.
“O Cabo do Medo”, no original “Cape Fear”, é um “remake” de um filme homónimo, datado de 1962, em que Robert Mitchum interpreta um homem que esteve preso, agora ameaçando a família de um advogado que desempenhou um papel decisivo na sua condenação. A premissa mantém-se, ainda que a ambiência dramática mude: no primeiro caso (entre nós chamado “Barreira do Medo”), prevalecem os tons de uma intriga policial carregada de “suspense”; com Scorsese, vogamos no domínio do “thriller” puro e duro, por vezes aproximando-se de alguns efeitos mais típicos do género de terror.
Como o próprio Scorsese comentou na altura do lançamento de “O Cabo do Medo”, a tensão está longe de ser linear, resultando da conjugação de duas componentes essenciais. Por um lado, a ameaça do ex-presidiário é encarnada de forma contundente pelo extraordinário Robert De Niro; por outro lado, a família ameaçada está longe de ser uma entidade dramaticamente neutra, já que há muitas fissuras emocionais nas ligações dos pais, interpretados por Nick Nolte e Jessica Lange, e da filha, a primeira grande composição de Juliette Lewis (na altura com 17 anos).
“O Cabo do Medo” valeu, aliás, a Juliette Lewis uma nomeação para um Óscar (na categoria de melhor actriz secundária). De Niro também foi nomeado (melhor ator), mas nenhum deles ganhou — nesse ano, o Óscar de melhor filme foi atribuído a “O Silêncio dos Inocentes”.