Foi há quase sessenta anos que surgiu esse filme lendário que é “Dr. Estranhoamor”, realizado por Stanley Kubrick (1928-1999) — mais precisamente, a estreia ocorreu a 29 de janeiro de 1964. Através da sofisticação da sua linguagem — uma tragédia político-militar encenada em tom de comédia do absurdo —, a sua actualidade temática não se desvaneceu. A denúncia da corrida irracional às armas de destruição está condensada na célebre imagem de Slim Pickens a cavalgar uma bomba atómica…
Curiosamente, os sessenta anos da obra-prima de Kubrick terão uma celebração muito especial. Através da reposição do filme nas salas de cinema? Seria, sem dúvida, interessante — e esperemos que aconteça. Em qualquer caso, “Dr. Estranhoamor” terá aquilo que podemos definir como uma insólita e inesperada “reposição”, mas noutro contexto. A saber: vai ser uma peça de teatro! Acontecerá em Londres, no Noel Coward Theatre: “Dr. Strangelove” estará em palco a partir do dia 8 de outubro de 2024, com Steve Coogan como protagonista, numa adaptação assinada por Armando Iannucci e Sean Foley.
A ironia é paradoxal e tentadora, e não apenas porque, como bem sabemos, são inumeráveis as vezes em que o cinema, desde os tempos heróicos dos pioneiros do mudo, se inspirou no teatro. Desta vez, é o teatro que vai colher no cinema a sua matéria, numa versão “alternativa” que, escusado será dizê-lo, envolve um imenso desafio de perspectiva e encenação. Até porque o filme de Kubrick é um caso excepcional de utilização dos recursos específicos de um estúdio de cinema, a começar pela imponência dos cenários concebidos por Ken Adam [ver trailer aqui em baixo] — foi, aliás, rodado nos arredores de Londres, nos estúdios Shepperton.
Será, sobretudo, interessante saber como é que as premissas de um filme pacifista produzido em plena Guerra Fria se transfiguram, agora, num palco de teatro e num contexto geo-político inevitavelmente muito diferente. Em qualquer caso, o subtítulo do filme de Kubrick persiste no seu contundente sarcasmo. Ou seja, numa tradução mais ou menos literal: “Como eu aprendi a deixar de me preocupar e a adorar a bomba…”